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10 anos da RFJS: contextos, atuação e futuros possíveis

Por Mônica C. Ribeiro

Em 2022, a Rede de Filantropia para Justiça Social (RFJS) completa dez anos. Aproveitando a data simbólica, damos início a uma série de matérias concebidas a partir de entrevistas com organizações integrantes da Rede, em especial aquelas presentes no momento de criação, abordando contextos, atuação, importância e futuros possíveis.

Neste primeiro texto da série, conversamos com Ana Valéria Araújo, superintendente do Fundo Brasil de Direitos Humanos, e Maria Amália Souza, responsável pela área de desenvolvimento estratégico do Fundo Casa. Duas das instituições que estiveram presentes na concepção e implementação da Rede.

Há dez anos, momento em que surgia a RFJS no Brasil, o contexto no país trazia um pouco mais de esperança e um horizonte de possibilidades. A sociedade civil tinha espaço para lutar por avanços, e esse lugar parecia garantido. Quem recorda o quadro brasileiro é Ana Valéria Araújo.

“A Rede foi criada em um contexto no qual estávamos olhando para a frente, apesar de todas as violações e desigualdades da nossa sociedade. Esse contexto mudou nesses dez anos. Vivemos hoje um momento de absoluto retrocesso em todos os sentidos, em que as coisas se agudizaram. Um momento muito mais crítico. O que não quer dizer que o papel da sociedade civil seja menor. Mas, na prática, tem sido um papel de instrumental para a resiliência. Se não estamos conseguindo avançar, que pelo menos não andemos tanto para trás”, define.

Ana Valéria lembra que, no momento da criação da RFJS, a filantropia de justiça social era praticamente inexistente no Brasil. Havia poucas fundações e fundos que exercessem esse tipo de filantropia. Responsabilidade social era o termo em vigor nas empresas, e a filantropia mais focada no investimento social privado crescia.

Ela avalia que a filantropia de justiça social cresceu no país, personificada na Rede de Filantropia para a Justiça Social, com a expansão do número de fundações comunitárias e fundos locais e de sua capacidade de impactar e apoiar a sociedade civil em todas as regiões do país.

“Os poucos fundos para justiça social e fundações comunitárias que estavam em atuação há dez anos entenderam que estavam em um nicho diferenciado em relação à filantropia que imperava no país naquele momento, e que precisavam se juntar para se fortalecer, complementar seus trabalhos e dar visibilidade para a relevância do que faziam. Criar a Rede foi a forma que se encontrou de ter um espaço de reunião desse grupo, que estava trabalhando ainda de uma maneira incipiente e isolada, e que viu na possibilidade de se reunir, de trabalhar junto, uma chance de se fortalecer, propor ações conjuntas e avançar no desenvolvimento dessa filantropia tão relevante. “

Maria Amália concorda com Ana Valéria sobre a importância da criação da Rede para o fortalecimento dos fundos que atuavam naquele momento com a filantropia de justiça social: “Quando eu soube que um movimento buscava criar uma Rede como essa, me envolvi logo no começo e fiz parte daquele desenho inicial. Éramos cerca de cinco fundos. E sabíamos que esse era um caminho político importantíssimo. O que existia em termos de associação era o GIFE, que reunia especialmente fundações corporativas, Family offices, e que raramente doavam para a sociedade civil. E o grande mote dos nossos fundos era doar, fazer o recurso chegar nas mãos de grupos na base”, relembra.

O lugar da Rede hoje

Decorridos dez anos de sua fundação, a Rede hoje é referência da filantropia de justiça social no Brasil, despontando como um importante ator no campo da filantropia brasileira e fortalecendo as vozes das organizações que a compõem.

Ana Valéria avalia que a RFJS passou a ter uma grande capacidade de representar o setor e de influenciar o ecossistema filantrópico no país, tornando-se um ator de peso no diálogo com o investimento social privado sobre a necessidade de se pensar nas organizações de base e em uma nova maneira de entender e mensurar impacto.

“Tudo isso, que a Rede personifica e comunica, faz dela um ator absolutamente fundamental para chamar a atenção do ecossistema filantrópico sobre a necessidade de apoiar essas organizações de defesa de direitos que estão na base, e que estão fazendo diferença como forma de fazer avançar a nossa democracia. Para demonstrar que a filantropia não pode ser meramente assistencialista, mas sim indutora de avanços apoiando a sociedade civil organizada para que ela avance no reconhecimento de direitos e melhores condições de vida e de igualdade”, avalia.

Maria Amália diz que o Fundo Casa sempre teve certeza absoluta da importância de fazer a Rede acontecer, e se articulou da melhor forma possível para que se tornasse realidade. “O começo não foi fácil, mas a Rede deslanchou com recursos, respeito, e isso fez dela um interlocutor. Somos uma presença reconhecida hoje. Estamos no mapa, principalmente internacional, sem dúvida. E no Brasil a Rede também ganhou muito espaço, cresceu com a adesão de novos fundos desde que foi pensada.”

Ana Valéria destaca também a capacidade da RFJS de flexibilizar conceitos iniciais sobre que tipo de organizações poderiam se tornar membros da Rede, passando a pensar o conceito de filantropia de justiça social de maneira a enxergar outros atores que também atuam nesse campo ou são potenciais para atuação.

“A aproximação com esses atores foi importante para ampliar o debate sobre a necessidade de investir mais e influenciar o ecossistema filantrópico para que ele invista mais nesta filantropia”, avalia ela. “ A Rede deve exercer cada vez mais um papel relevantíssimo, se tornando um ator político com coisas a dizer, que o setor filantrópico deverá querer ouvir necessariamente para definir estratégias, caminhos, caminhos em conjunto.”

Os Fundos e a Rede

A interação e a troca entre organizações similares, que atuam e/ou têm uma visão de mundo similar, com objetivos parceiros, permite compreender o ecossistema de filantropia de justiça social.

“Isso permite que o Fundo Brasil olhe para esse campo como complementar. Sabemos o que fazemos, o que não fazemos e está sendo feito por outros fundos, debatemos ideias, estratégias, e com isso vamos nos aprimorando. A Rede hoje é uma fonte de informação, uma possibilidade de articulação com organizações similares e que nos cria oportunidades de trabalho mais eficientes, de complementaridade, de olhar para nossas questões de forma às vezes diferenciada, a partir da visão de outros. Esse movimento tem sido fundamental, e na medida do possível tenho trazido mais e mais pessoas da equipe do Fundo para participar das atividades, ouvir, compartilhar,” diz Ana Valéria.

Ela destaca que há dez anos o Fundo Brasil de Direitos Humanos tinha alcance menor, buscava parceiros e aliados para avançar, e hoje, tal qual a Rede, está maior e mais consolidado. “O Fundo Brasil se vê na história da Rede como alguém que colaborou no seu surgimento e crescimento, e hoje se sente bastante orgulhoso de vê-la consolidada e capacitada para tocar adiante aquilo que é seu objetivo, com autonomia e garantindo visibilidade para essa forma de fazer filantropia, que é a filantropia do futuro”

Maria Amália destaca também a atuação do Fundo Casa para o crescimento e fortalecimento da Rede desde a sua criação. “Fizemos tudo que estava ao nosso alcance para a Rede se consolidar. A perspectiva de futuro é crescer a partir do olhar para fundos e fundações similares. Para nós, a grande importância da Rede é que ela permitiu nos unir com outros fundos com a mesma missão e a mesma narrativa, e isso faz com que a gente apareça mais forte em todos os contextos. Trabalhar em conjunto nunca é fácil, mas temos um caminho bastante claro que é crescer, abarcar mais tipos de fundos. Esse esforço valeu muito a pena, e foi fundamental para os nossos tipos de fundo, que fazem doação direta, terem uma voz concentrada e mais potente.”

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