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A Filantropia Comunitária como um caminho para promover justiça socioambiental com pessoas LGBTQIA+

Marcando o Dia Mundial do Meio Ambiente e o Mês do Orgulho LGBTQIA+, uma reflexão sobre como a filantropia comunitária de justiça socioambiental contribui para o enfrentamento das mudanças climáticas pela população LGBTQIA+.

Por Yasmin Morais e Mica Peres

Estima-se que o percentual de brasileiros que se declaram LGBTQIA+ seja de 12%, ou cerca de 19 milhões de pessoas, mas, ao contrário do que poderíamos deduzir quando somos apresentades à dados demográficos de uma população, esse não é um dado oficial de algum órgão governamental brasileiro como o IBGE. Essa estimativa é resultado de uma pesquisa desenvolvida pela Unesp e USP publicada na Nature Scientific Reports, uma vez que o IBGE somente passou a coletar qualquer dado sobre orientação sexual no Brasil em 2019, excluindo dessa coleta qualquer aspecto de identidade de gênero ou sexualidades para além de homossexualidade e bissexualidade, e ainda de forma muito experimental.

Como saber, então, quantos somos, onde estamos, nosso nível de escolaridade? Como saber o que nos afeta, o que precisamos, quais direitos buscamos?

As informações sobre a população LGBTQIA+ no Brasil são produzidas quase que em sua totalidade por ações pontuais de órgãos estatais, pesquisas universitárias, de movimentos sociais e por organizações da sociedade civil. A ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) realizou, em 2016, uma pesquisa que revelou que 60,2% dos estudantes LGBT consultados se sentiam inseguros por conta de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero em sala de aula. Segundo a Mais Diversidade, 54% da população LGBTQIA+ consultada não se sentia segura para declarar sua identidade de gênero e sexualidade no trabalho, segundo a Catho, cerca de 33% das empresas do Brasil não contratariam pessoas LGBTQIA+ para cargos de chefia/liderança, segundo a Antra, apenas 4% da população trans e travesti possuem emprego formal, 6% possuem emprego informal e cerca de 90% trabalham com prostituição. Segundo o Grupo Gay da Bahia, 35,5% das pessoas LGBTQIA+ assassinadas em 2019 foram mortas dentro de suas próprias casas, em sua maioria por pessoas conhecidas ou familiares.

Essa é apenas parte do cenário caótico e precário do acesso a direitos básicos pela população LGBTQIA+. Quando adicionamos as diversas violências sofridas pelo entrecruzamento de opressões sofridos pela população preta, indígena, quilombola, PCDs, em sofrimento mental, de religiões de matriz africana e/ou não-cristãs, a precarização dessas vidas chega a limites surreais de descaso e invisibilidade.

E como pensar ações de enfrentamento às mudanças climáticas para pessoas invisíveis?

É difícil, mas propomos aqui caminho possível: a filantropia comunitária de justiça socioambiental.

Considerando as mudanças climáticas e seu impacto negativo para nós, pessoas LGBTQIA+, e suas intersecções, acreditamos que a filantropia comunitária pode ser um caminho para avançar com a justiça socioambiental para essas populações de diversas formas.

Primeiramente, a filantropia comunitária de justiça socioambiental se baseia numa perspectiva interseccional e sistêmica, pois reconhece as múltiplas formas de desigualdade e opressão que enfrentamos. Essa perspectiva vai além de uma visão simplista do impacto das mudanças climáticas, que considera só as mudanças visíveis nas paisagens e ecossistemas, por exemplo.

A partir de uma visão interseccional, a filantropia comunitária olha para como as mudanças climáticas afetam diferentes grupos sociais, como pessoas LGBTQIA+ que também são pretas, indígenas, com deficiência, etc, e que afeta de maneiras distintas cada território, cada condição socioeconômica. Afetam as condições de sobrevivência de populações diversas, de forma diferente nos campos e nas metrópoles, nas matas, praias e nas cidades dos interiores, nos climas secos e nos úmidos. Afeta corpos e realidades diferentes quando suas condições básicas de subsistência e florescimento são direta ou indiretamente afetadas.

Quando a única opção de uma pessoa LGBTQIA+ é atuar em trabalhos precarizados pela baixa escolaridade, quais trabalhos que não são afetados pelas crises do clima? E se trabalham nas ruas das metrópoles, em subempregos, o que acontece quando tudo fica alagado? E se moram em locais de risco devido ao resultado de anos de exclusão socioeconômica, sobretudo pela sua condição LGBTQIA+ , quem terá a casa destruída por desabamentos?

A visão sistêmica contribui para abraçar ainda mais a complexidade deste tema, já que mudanças climáticas fazem parte das opressões que grupos minorizados sofrem dentro de um sistema que nos marginaliza.

Para combater essa desigualdade, é essencial direcionar recursos e esforços para atender às necessidades específicas das pessoas LGBTQIA+ afetadas pelas mudanças climáticas. A filantropia comunitária desempenha um papel crucial ao apoiar iniciativas locais e organizações comunitárias que se concentram em enfrentar os desafios ambientais enfrentados por essas comunidades.

Além disso, a filantropia comunitária incentiva a ação coletiva a partir da base, fortalecendo as próprias comunidades LGBTQIA+ afetadas. Ao investir em redes locais, grupos de defesa de direitos e organizações comunitárias, estamos capacitando as pessoas LGBTQIA+ para liderarem a mudança em seus próprios contextos, impulsionando a justiça socioambiental.

Outro aspecto importante é garantir o acesso a direitos básicos, como saúde adequada, moradia segura, trabalho digno e educação de qualidade. Através da filantropia comunitária, recursos são disponibilizados para assegurar que nós, pessoas LGBTQIA+, tenhamos acesso a esses direitos fundamentais, fortalecendo nossa capacidade de enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas e de nos mobilizar em prol de nossas comunidades.

Também faz parte da ideia de filantropia comunitária a promoção de novos espaços de participação política, mudança de poder, fortalecendo a base para que as pessoas LGBTQIA+ possam exercer influência, liderar e incidir nas decisões políticas que afetam nossas vidas. A filantropia comunitária também pode facilitar o acesso de pessoas LGBTQIA+ a espaços políticos existentes, tanto na esfera estatal quanto na esfera pública mais ampliada, como através da produção e disseminação de conhecimento a partir de pessoas e grupos LGBTQIA+. Esses esforços buscam reduzir a lacuna de dados que temos sobre essa população, além de pautar políticas públicas específicas para ela em seus diversos contextos.

Organizações da filantropia independente como os fundos membros da Rede Comuá atuam diretamente com essas temáticas e têm pensado e juntado forças em ações conjuntas no enfrentamento das mudanças climáticas e garantia de direitos para a população LGBTQIA+. De fato, 100% dos membros da Rede Comuá trabalham com as intersecções entre meio ambiente, gênero, raça e população LGBTQIA+ e 75% das organizações desenvolvem ações diretamente com foco em justiça climática, participando também dos principais espaços de articulação nacionais e internacionais dessa temática.

Juntos, nos últimos 2 anos, esses fundos promoveram mais de 40 editais direcionados para justiça socioambiental, gênero, raça e população LGBTQIA+. Foram mais de 100 milhões de reais doados diretamente para ações de justiça social no ano de 2022, para mais de 1900 iniciativas no Brasil. Fundos como o Fundo Casa Socioambiental, Fundo Positivo, Fundo Elas+, Fundo Baobá, Casa Fluminense, Fundo Brasil, entre outros, são atores de grande importância nessa balança e têm contribuído, através da filantropia comunitária e de justiça socioambiental, para mudar esse cenário.

Em resumo, nesse mês do orgulho LGBTQIA+ marcando o Dia Mundial do Meio Ambiente que aconteceu no último dia 5, destacamos a filantropia comunitária como um caminho crucial na promoção da justiça socioambiental para pessoas LGBTQIA+ afetadas pelas mudanças climáticas.


Yasmin Morais é uma mulher cis e pansexual. Graduada em Relações Internacionais pela University of Boston/Universidade Anhembi Morumbi e mestranda em Poder, Participação e Mudança Social pelo Institute of Development Studies. Assistente de programas focada em promover o enjagamento e participação das organizações-membro da Rede Comuá.

Mica Peres é uma pessoa trans não binária, bissexual e militante pelos direitos da população LGBTQIA+. Autore do “Dossiê sobre o lesbocídio no Brasil” (Livros Ilimitados, 2018) e de diversos artigos sobre direitos lésbicos. Coordenadore de operações da Rede Comuá e editore-chefe da Ape’Ku Editora.

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