A COP 27 (Conferência da ONU pelo Clima) mobilizou fundos da Rede Comuá, que estiveram no Egito, local de realização do encontro, promovendo conexões, participando de debates e network em torno da justiça socioambiental e do combate ao racismo climático.
A Conferência aconteceu em novembro, de 6 a 18 de novembro, e contou com ampla participação da sociedade civil brasileira, em especial por meio do Brazil Climate Action Hub, pavilhão presente nas COPs de clima desde 2019 criado pelo iCS (Instituto Clima e Sociedade), juntamente com o IPAM (Instituto de Pesquisas Ambiental da Amazônia) e o Instituto ClimaInfo.
O espaço foi criado para dar visibilidade à ação climática brasileira na COP 25, realizada em Madri, e tornou-se referência do Brasil nas Conferências seguintes – em especial pelos retrocessos do governo brasileiro nos últimos anos na área ambiental e climática -, e tem demonstrado a potência e a ação da sociedade civil.
O resultado da Conferência deste ano deve ser comemorado com um passo rumo à justiça socioambiental, com a criação de um fundo de perdas e danos para compensar países e comunidades que sofrem mais severamente com os efeitos da mudança climática, embora sejam os que menos contribuíram para que ela se agrave.
Com isso, a agenda de adaptação aos efeitos extremos trazidos pela agenda de clima, tais como enchentes, deslizamentos e chuvas intensas, além de migrações, perdas produtivas para a agricultura familiar, entra em cena.
A mitigação é fundamental para a redução das emissões dos gases de efeito estufa, mas deve vir acompanhada de ações concretas que promovam justiça socioambiental, caso contrário corremos o risco de acirrar ainda mais as desigualdades sociais. A filantropia de justiça social tem muito a contribuir nesse aspecto. O grande desafio é fazer com que os recursos cheguem efetivamente a quem precisa deles.
Sociedade civil e filantropia de justiça social em peso na COP
Ana Toni, do iCS, destaca que o Brazil Climate Action Hub foi de extrema importância nas últimas COPs de Clima:
“A sociedade brasileira demonstrou que não se sentia representada pelo governo brasileiro na questão climática, e as organizações da sociedade civil foram verdadeiras diplomatas e representantes de um Brasil contemporâneo e engajado nas mudanças climáticas. Demos esse sinal político para a comunidade internacional. Os fundos da Rede Comuá e a filantropia de modo geral pela primeira vez tiveram participação de maneira mais ativa nesta COP 27, demonstrando que essa perspectiva de clima está presente e precisa estar cada vez mais dentro de outros fundos filantrópicos no país. É o começo de uma conversa ainda mais densa que precisamos fazer, que o GIFE (Grupo de Institutos, Empresas e Fundações) já vinha fazendo no Brasil, e que dessa vez fizemos também internacionalmente. E espero que isso se aprofunde nos próximos anos.”
Fernanda Lopes, do Fundo Baobá, destaca que o que viu e ouviu na COP 27 a fez perceber com mais nitidez o papel da filantropia pelo clima. Ela participou de debates sobre gênero e mudança climática e sobre o papel da filantropia e desafios ao financiamento da agenda climática, ambos realizados no Brazil Climate Action Hub.
“As organizações de mulheres ou lideradas por mulheres são maioria entre os grantees do Fundo Baobá. São elas que constroem estratégias para minimizar os impactos das mudanças climáticas, dos desastres não naturais. Elas lideram as estratégias de resiliência comunitária, que lidam com os efeitos das perdas e dos danos, temporários e permanentes. Além disso, o racismo estrutural define impactos diferentes para a população negra. As enchentes, a falta de água tratada, a insegurança alimentar, os deslocamentos forçados por deslizamentos ou pela impossibilidade de seguir cultivando suas terras”, analisa Fernanda.
Ela destaca que, para a população negra, no campo ou na cidade, é muito urgente a necessidade de financiamento para adaptação e resiliência, bem como para reparar perdas e danos. E a importância de alianças estratégicas e colaborativas entre fundos independentes, que construíram metodologias e realizam grantmaking com a garantia de que os recursos cheguem efetivamente aonde e para quem precisa.
“As comunidades mais afetadas estão colocando em prática soluções adequadas às suas necessidades. Mas elas não podem seguir pagando a conta. Não é justo. Institucionalidades como o Fundo Baobá e outros fundos independentes, que fazem filantropia para justiça social, têm muito a contribuir. Nosso desafio diário é entender mais e melhor as dinâmicas dos territórios onde atuamos, aprimorar nosso grantmaking e contribuir para mitigar os impactos. É um conjunto imensurável de perdas e danos, materiais e imateriais. A fatura é muito alta. São muitas as evidências da injustiça climática.”
O Fundo Baobá se uniu a mais de 600 organizações, de 20 países, para compor o movimento ,Philantrophy For Climate, iniciativa do WINGS.
Fundos da Rede Comuá levaram delegações para a COP 27
O Fundo Casa Socioambiental participou da COP 27 com uma comitiva de 13 pessoas. O grupo começou a se preparar em março deste ano, em razão da urgência e dos desafios que as questões climáticas apresentam para os grupos com os quais o Fundo trabalha – populações indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pescadores. A oportunidade de participação foi vista como possibilidade de aprendizado, intercâmbio e fortalecimento das ações no campo da filantropia.
Além de levar parte da equipe, o Fundo Casa incluiu na delegação defensoras e defensores negros e quilombolas.
“Estudos que fizemos sobre as últimas conferências de clima nos mostraram que as populações indígenas, de alguma forma, garantem e conseguem recursos e participação com mais facilidade do que a população negra e quilombola. Essa foi a razão pela qual optamos por levar uma comitiva com algumas pessoas na CONAQ (Articulação das Comunidades Negras e Rurais Quilombolas), de diferentes quilombos do Brasil’, destaca Vanessa Purper, gestora de programas do Fundo Casa Socioambiental.
Ela lembra que o Fundo já havia participado de uma COP de Clima, mas com apenas algumas pessoas da equipe e parceiros locais. Desta vez, a opção foi por uma participação mais incisiva. E isso proporcionou acesso a espaços de troca, conexões, aprendizagem.
“As decisões que são tomadas num ambiente como o da COP de Clima atingem a todos nós. E uma das grandes razões de ser das nossas lutas é justamente trazer atenção, foco, respeito e integração das causas que são importantes para quem está na linha de frente das mudanças climáticas, que são as bases, as populações mais vulneráveis, menos favorecidas, e muitas vezes esquecidas pelo poder público e completamente desconsideradas por várias grandes empresas. É só olhar para o cenário mundial que a gente tem uma lista enorme de exemplos, onde a violação de direitos acontece em nome dos grandes negócios desconsiderando completamente os direitos humanos e os direitos ambientais de diversas populações. A presença da sociedade civil trazendo as suas pautas, fazendo contatos e marcando as suas necessidades é extremamente importante. A gente ouviu da comitiva de quilombolas que nós levamos uma frase que nos chama bastante atenção: esses grupos não precisam de voz, precisam de espaço para serem escutados”
Durante a Conferência, o Fundo Casa lançou a publicação “Guardiões da Floresta – Financiamento para a Resiliência Climática”, que traz reflexões e lições aprendidas no apoio direto a organizações locais e tradicionais, e como estes apoios estão conectados a importantes estratégias de preservação das florestas em pé e manutenção do clima.
O ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza) também marcou presença na COP 27. Embora já tenha participado de outras Conferências do Clima, foi a primeira vez que o Instituto realizou eventos paralelos e contou com comunicação estratégica. Além disso, apoiou a participação de representantes da CONAQ e da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
“Fomos com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre o Cerrado e alertar sobre a ameaça ao bioma e seus povos. Chamamos atenção para o fato de que, assim como a Amazônia, é preciso olhar para o Cerrado quando o assunto é mudança climática e mitigação”, diz Raisa Pina, assessora de comunicação do ISPN.
O Instituto participou de eventos no Brazil Climate Action Hub e no Panda Hub, espaço de eventos do WWF, e divulgou dados de um estudo que concluiu que o Cerrado pode perder um terço da vazão de água até 2050 se o desmatamento se mantiver.
“Apesar de não termos incidido diretamente na negociação climática, conseguimos fazer chegar informação importante a tomadores de decisão. Tivemos uma reunião com Marina Silva e outros representantes políticos para sugerir uma política ambiental mais fortalecida para o próximo governo. Além disso, conseguimos pautar o Cerrado em mais de trinta reportagens em imprensa e geramos conteúdo segmentado para nossas redes sociais, com cobertura diária e destaque sobre a participação de povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares na conferência. Foram duas semanas exaustivas, mas com resultados positivos”, analisa Raisa.
Ela destaca como revigorante a renovação política nos corredores da COP, com a sinalização de um futuro mais próspero para o Brasil, e especialmente a presença de uma delegação maciça de povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares.
“APIB e CONAQ estavam presentes em peso, reforçando nas mesas de eventos paralelos que quilombolas e indígenas estão presentes em todos os biomas brasileiros e que o debate sobre clima deve necessariamente incluí-los. São quilombolas, ao lado de indígenas, geraizeiros, comunidades fundo e fecho de pasto e diversos outros segmentos tradicionais os verdadeiros guardiões da biodiversidade e da segurança climática global. Foram muitos encontros e debates qualificados, com muita esperança e vontade de fazer.”
Agenda urbana também em pauta
A Casa Fluminense participou da COP 27 com duas agendas específicas. A primeira delas foi a participação em uma mesa sobre justiça climática e enfrentamento ao racismo ambiental, no Pavilhão de Justiça Climática, juntamente com a Rede Favela Sustentável e a ClimateWorks Foundation, mediada pelo iCS.
“Compartilhamos um pouco do trabalho da Casa Fluminense e também falamos sobre um projeto piloto que vamos lançar no Fórum Rio 2023, que é um novo guia de justiça climática, muito a partir de experiências que temos apoiado com o Fundo Casa Fluminense. No edital que estamos executando em 2022 acompanhamos 30 projetos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e vários deles dialogam diretamente com o tema da justiça climática e do racismo ambiental,” diz Larissa Amorim, coordenadora de comunicação da Casa Fluminense.
Ela destaca o trabalho da Casa em apoiar grupos que estão produzindo reflexões em seus territórios e pensam soluções, estratégicas e tecnologias sociais de enfrentamento e de mitigação dos impactos dos desastres climáticos, de modo a tornar o planejamento das cidades mais resiliente.
“Pensando nossas favelas, nossas periferias, que são os territórios mais afetados pela emergência climática, e justamente os que menos contribuem para esse processo. Perdas e danos e justiça climática foram muito a tônica dessa COP, o próprio Secretário Geral da ONU abriu a Conferência falando sobre isso. Apresentamos também um infográfico da desigualdade de justiça climática a partir de um levantamento e monitoramento de impactos que fizemos alguns meses antes, de perdas humanas e materiais, trazendo para a Agenda 2030. De como a gente tem defendido pensar o Rio de Janeiro de fato, na construção de uma Secretaria de Emergência Climática que dê conta de coordenar e planejar políticas que tornem nossas comunidades mais resilientes, adaptadas para o que ainda vem pela frente.”
A outra agenda da Casa Fluminense na COP 27, no Brazil Climate Action Hub, teve relação com mobilidade urbana, na defesa da transição da matriz energética das frotas de ônibus, garantindo um transporte mais limpo, que emita menos gases de efeito estufa, mas que seja também barato, seguro, com mais qualidade e que contribua para melhorar a qualidade de vida das pessoas.
“Essa é a segunda COP de Clima que a Casa Fluminense participa, a gente já tinha participado da COP 25, e certamente agora vimos uma COP diferente. Que aconteceu num contexto do Brasil com Bolsonaro perdendo as eleições e Lula eleito. Antes, o Brasil estava muito rechaçado, se tornou pária internacional de uma agenda ambiental e climática, sendo que a gente ocupa historicamente um lugar de liderança importante nessa agenda, apesar de ainda precisar avançar muito. A gente chegou na COP sentindo um outro clima, de esperança, de possibilidades. Com a presença muito massiva das juventudes ativistas climáticas de diversas partes do Brasil, uma delegação negra mais fortalecida dentro do debate. Foi muito bom sentir que a gente está construindo um novo momento em nível de Brasil para pensar o tema, com espaço de diálogo com a sociedade civil. Foi muito lindo ver pessoas que fizeram o curso de políticas públicas da Casa Fluminense, que produzem as agendas locais nos territórios que a gente apoiou, participando da COP de fato.”
O futuro
Em uma avaliação geral da COP 27, Ana Toni, do iCS, destaca que devemos olhar o copo meio cheio e o copo meio vazio.
A partir da perspectiva do copo meio cheio, ela avalia que, apesar das crises geopolíticas que o mundo tem passado, com uma guerra no coração da Europa e recém-saído da pandemia da covid-19, com tensões entre China e Estados Unidos, a COP de Clima sobreviveu, o que representa uma grande vitória do multilateralismo baseado no clima.
Do lado do copo meio vazio, a COP 27 não avançou na ambição, na necessidade de reduzir o uso de combustíveis fósseis, dentre outros pontos. O que traz um dilema para o avanço na criação de um fundo de perdas e danos voltados aos países mais suscetíveis aos impactos da crise climática.
“É importante lembrar que o não avanço em uma maior ambição na COP de clima significa que esse fundo vai ter que ser cada vez maior, porque cada dia que a gente não tem mais ambição e não implementa e não mitiga os gases de efeito estufa, maiores serão as perdas e os danos.”
Para Vanessa, do Fundo Casa Socioambiental, a filantropia de justiça social tem uma participação essencial nessa equação para combater os efeitos da emergência climática, fortalecer a sociedade civil, as comunidades tradicionais e as organizações de base comunitária.
“A participação dos fundos da Rede Comuá na COP 27 foi extremamente importante para fortalecer a própria Rede, a integração entre os fundos que fomentam a justiça socioambiental como pauta principal e ferramenta de organização de acesso a direitos e incidência, os espaços para troca e retroalimentação de redes. A filantropia tem muito para contribuir para a questão da justiça socioambiental, e o nosso papel é justamente trazer a atenção para as causas que são importantes para os nossos territórios, para os grupos que nós apoiamos. Sabemos que o financiamento climático, com o novo cenário que se apresenta para o nosso país, tem uma tendência muito forte de crescimento. Precisamos estar atentos e integrados para fazer com que esses recursos cheguem realmente onde precisam chegar, nas comunidades mais vulneráveis e nas populações que são as mais desproporcionalmente afetadas pelas mudanças climáticas”, analisa Vanessa.
A filantropia, cada vez mais, mostra-se fundamental na pauta das mudanças climáticas. E organizações como as que integram a Rede Comuá ocupam lugar estratégico nessa agenda e em ações de incidência, na medida que atuam de modo articulado com a sociedade civil e porque a agenda de clima é transversal à pauta de acesso a direitos, comum a todas elas.
Mônica C. Ribeiro é consultora de comunicação da Rede Comuá