Seja muito bem-vinda/e/o à Rede Comuá!

Censo GIFE 2022: uma breve leitura dos dados à luz da filantropia comunitária

Censo GIFE 2022: uma breve leitura dos dados à luz da filantropia comunitária

Foto: Acervo GIFE

Rede Comuá participou de episódio da série Grantmaking sobre os resultados da pesquisa realizada pelo GIFE

Em Novembro de 2023, o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) lançou uma nova edição do Censo GIFE, realizado a cada dois anos com sua base de associados. Junto a outros levantamentos, como o do BISC, o Censo é uma pesquisa de referência no campo, que permite traçar um panorama do investimento social privado (ISP) no Brasil. 

A Rede Comuá reúne organizações doadoras da filantropia independente que mobilizam recursos para o apoio a organizações, movimentos e atores/atrizes da sociedade civil em suas lutas por justiça social, direitos humanos e desenvolvimento comunitário. Sendo assim, a democratização do acesso a recursos, de forma que alcance esses grupos, é um ponto chave da nossa agenda de incidência. Pesquisas como o Censo GIFE, então, trazem pistas sobre o compromisso do investimento social privado no Brasil no que se refere a pautas de acesso a direitos, justiça socioambiental e defesa da democracia. 

À luz de práticas da filantropia comunitária, trazemos, assim, alguns destaques, reflexões e perguntas sobre dados apresentados pela pesquisa.

Independentes crescem na base de associados do GIFE

No comparativo 2020 a 2022, 10 novas organizações independentes, incluindo membros da Rede Comuá, se associaram ao GIFE. Ao olhar desde 2014, início da série histórica, houve um crescimento de mais de 100% desse perfil de investidores na base de associados do GIFE, um resultado dos esforços de atração de atores da filantropia independente.

Para o GIFE, este perfil é composto por um grupo diversificado de organizações – desde instituições de ensino, hospitais filantrópicos e representações de organizações internacionais até fundos independentes, como membros da Comuá. Os independentes foram ainda o único perfil de investidor que apresentou um aumento no volume de valor investido na comparação de dados de 2020 e 2022. 

Qual o impacto da maior presença dessas organizações em agendas de instituições como o GIFE? Quais contribuições para atores mais tradicionais do investimento social privado, como empresas e institutos empresariais, esse perfil de organizações pode trazer sobre práticas diversas de filantropias? Qual a abertura que essas organizações encontram no GIFE para proposição de agendas, muitas vezes incômodas para atores da filantropia mais tradicional?

O volume de recursos a terceiros ainda é tímido e retrai no pós-pandemia

Com exceção do ano da pandemia, o volume de recursos a terceiros alcançou o maior patamar das últimas quatro edições: R$1,8 bilhões. O repasse a terceiros – que vinha em uma tendência crescente, ainda que modesta, desde 2016 – observou uma queda de R$1,1 bilhão na comparação com dados de 2020, voltando a ficar abaixo do volume investido em iniciativas próprias (R$2,1 bilhões). Em valores absolutos, houve um aumento de R$400 milhões no volume repassado a terceiros se olhamos para os números de 2018 e 2022 (+28%).

Olhando mais especificamente para o investimento em OSCs, 64% dos respondentes (88 associados) indicam terem realizado repasse de recursos para organizações da sociedade civil, totalizando 6.792 apoios procedidos(1). Já movimentos sociais, coletivos e redes são apoiados por 20% dos respondentes. Aqui vale também um contraponto com o Mapeamento de Organizações Doadoras Independentes promovida pela Rede Comuá em parceria com a ponteAponte, em que dados indicaram que 74% das instituições mapeadas doam para organizações da sociedade civil e 71% para movimentos e coletivos (formalizados ou não). Evidencia-se, persiste assim o distanciamento do investimento social privado de OSCs, coletivos e movimentos e da luta pelo acesso a direitos.

Os recursos do investimento social privado alcançam de fato os territórios e quem está na linha de frente da luta por transformação social? Quais as barreiras de acesso a recursos por organizações da sociedade civil, coletivos e movimentos ainda são impostas e promovidas pelo ISP? Por que o investimento social privado ainda confia pouco em organizações da sociedade civil, coletivos e movimentos?

Focos e territórios de atuação denotam o conservadorismo do investimento social privado

Em mais uma edição, a educação volta a ocupar o primeiro lugar entre focos de atuação do investimento social privado, com 71% dos respondentes atuando nesta agenda. Em segundo lugar, está inclusão produtiva, empreendedorismo e geração de renda (54%) seguido de uma novidade no top 3, desenvolvimento local/territorial/comunitário (50%). Chama atenção, assim, a tendência à promoção de agendas mais alinhadas a lógicas de mercado e/ou consideradas menos contenciosas. Por outro lado, defesa de direitos, cultura de paz e democracia e desenvolvimento institucional de OSCs e movimentos sociais figuram mais abaixo no ranking, com 38% e 36% de respostas, respectivamente. Ao olhar para o volume de investimentos, essa diferença fica ainda mais marcada: o volume de investimento em educação corresponde a quase R$2 bilhões em 2022, enquanto para defesa de direitos, cultura de paz e democracia e desenvolvimento institucional de OSCs e movimentos sociais foram investidos R$245 milhões e R$172 milhões, respectivamente.

Já no que se refere a territórios de atuação, áreas de preservação ambiental (13%), comunidades remanescentes de quilombos (10%), terras indígenas (7%) e assentamentos (3%) figuram baixo na agenda de prioridades do investimento social privado, evidenciando o distanciamento de parte expressiva da filantropia nacional de um compromisso político com a defesa de direitos de comunidades indígenas e tradicionais.

O compromisso do investimento social privado com a transformação social e enfrentamento das estruturas de desigualdade está refletido nos focos de atuação e no volume de investimentos que realizam para agendas voltadas à justiça social e à promoção de direitos humanos? De que maneira o investimento social privado ainda negligencia as agendas e interesses de minorias políticas?

Essas são algumas reflexões preliminares sobre o resultado do último Censo GIFE. Querem ouvir mais? Confiram o episódio sobre os resultados do Censo GIFE 2022 com a participação de Jonathas Azevedo, Assessor de programas da Rede Comuá, Patrícia Kunrath, Coordenadora de Conhecimento do GIFE, e Jessica Sklair, professora da Queen Mary University of London, na série sobre Grantmaking do podcast do GIFE.


(1) Este número não se refere a apoios únicos, isto é, uma mesma OSC pode estar sendo contabilizada mais de uma vez.

CONTINUE LENDO

Comuá Network Launches Publication on Social Movements and Philanthropy in Brazil
Comuá Network Launches Publ...
22 de novembro de 2024
Rede Comuá lança publicação sobre movimentos sociais e filantropia no Brasil
Rede Comuá lança publicação...
22 de novembro de 2024
‘Meu tempo é agora’: Financiamento de direitos trans em tempos de desdemocratização
‘Meu tempo é agora’: Financ...
18 de novembro de 2024
O papel crucial das mulheres negras na luta por justiça social no Brasil
O papel crucial das mulhere...
18 de novembro de 2024
Carregando mais matérias....Aguarde!