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Por: Luana Braga Batista*
Este artigo busca analisar acerca da auto-organização das mulheres negras no Brasil buscando evidenciar soluções que são traçadas por elas mesmas, diante das problemáticas vivenciadas diariamente no cotidiano para superar as dificuldades enfrentadas devido a violência econômica de forma coletiva.
É nas periferias, favelas, comunidades quilombolas, ribeirinhas e indígenas que se concentra boa parte desta população. Observa-se no estudo que nesses territórios estão a sociedade civil organizada, construindo organizações sociais, coletivos, redes e entre outros, no intuito de lutar por mais dignidade e acessos do povo negro. É possível analisar que esses grupos convivem com uma ausência de assistência do Estado e não recebem incentivos financeiros filantrópicos de acordo com a proporção de sua atuação para potencializar o que já realizam no cotidiano.
Raça e gênero são duas dimensões que se entrecruzam e resultam em um efeito multiplicador de discriminação, exclusão social e fome. O Brasil tem hoje mais de 33 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar – se alimentando mal ou com fome -, e boa parte delas são mulheres e pessoas negras. Os dados do recém-lançado segundo suplemento do relatório da Rede Penssan sobre insegurança alimentar e fome no país, que tem como foco as desigualdades de raça/cor da pele e gênero em relação à insegurança alimentar, informa que um em cada cinco lares brasileiros (20,6%) chefiados por pessoas negras está em situação de insegurança alimentar.
Apesar de desempenharem um papel fundamental na solução dos problemas de seus territórios e estarem no centro da luta, essas mulheres continuam à margem dos recursos e dos acessos. Outro dado revelador da pesquisa é a discrepância entre o montante captado e a origem desses recursos, destacando ainda mais as desigualdades enfrentadas por elas.
Essas organizações realizam ações que impactam a vida de 250 a 1.000 pessoas, na maioria das vezes. Notavelmente, quase 60% dessas iniciativas são financiadas com recursos do próprio bolso. Esse percentual de captação corresponde a menos de 5 mil reais por ano, e, dentro desses 60%, quase metade (29%) capta entre 1 e 500 reais.
Vocês sabiam que 89% das pessoas que estão na linha de frente das organizações negras são mulheres? Dessas mulheres, 83% são mães, e apenas 18% conseguem obter algum tipo de remuneração por seu trabalho nos projetos? Enquanto isso, 82% atuam de forma voluntária e ainda trabalham fora para poder financiar o processo de democratização de direitos em seus territórios. Se o terceiro setor gera quase 6 milhões de empregos, quem ele está empregando e remunerando? Por que as mulheres negras, em sua quase totalidade, ocupam cargos voluntários, enfrentando jornadas quádruplas ou quíntuplas de trabalho? Elas cuidam da casa, dos filhos, do trabalho fora, dos projetos, e ainda da manutenção da democracia e da garantia de direitos em suas comunidades.
Quem cuida de quem cuida? Quem financia a manutenção da democracia? É possível, diante desse cenário, alcançar algum tipo de justiça social sem uma política de equidade de raça e gênero? Só é possível justiça social com recurso alocado direto na base com equidade.
*NOTA: Este artigo faz parte do projeto de pesquisa “Justiça social e filantropia: gênero, raça e direitos econômicos”, de Luana Braga Batista, desenvolvida no âmbito do Programa Saberes da Rede Comuá.
AUTORA: Luana Braga Batista é graduada em Ciências Sociais e doutoranda em Antropologia social pelo museu nacional da UFRJ. É membro do coletivo negro Marlene Cunha e atua no terceiro setor, produzindo conhecimento enquanto pesquisadora para a promoção de uma filantropia negra e comunitária com recursos descentralizados e desburocratizados para a promoção de justiça social. E gerente de pesquisa do NUPEMIN (Núcleo de Pesquisa e Memória da Mulher Negra) do Fundo Agbara.