Por Renata Saavedra
Dentre os grandes desafios que o campo da filantropia e das organizações da sociedade civil (OSCs) enfrenta, comunicar causas e o trabalho desenvolvido pelo terceiro setor é certamente um dos maiores.
Na pesquisa ONGs e OSCs, quase 70% dos pesquisados não soube citar uma única organização social em seu bairro ou cidade. 50% dos internautas brasileiros declaram saber pouco sobre o assunto e 18% nunca ouviram falar sobre. No mesmo sentido, a pesquisa Doação Brasil indica que uma “melhor comunicação das ONGs pode ser determinante”, já que 43% das pessoas entrevistadas doariam se soubessem com certeza como o dinheiro é gasto e 32% se soubessem mais sobre as ONGs e suas atividades.
É relativamente recente o entendimento de que a comunicação é parte central das soluções que as OSCs buscam construir e fortalecer, seja qual for sua área de atuação. No geral, as OSCs investem pouco em comunicação e não a praticam de forma estratégica e transversal na promoção de suas causas. Pesquisa da Nossa Causa reforçou essa constatação: em 50% das organizações a área de comunicação é composta por somente uma pessoa. O GIFE também tem destacado a “necessidade de maior esforço de comunicação sobre o papel, atuação e contribuição do setor do investimento social e da filantropia junto à sociedade” (confira também a nota técnica Elementos da Comunicação de Causas).
Comunicação baseada em evidências: parcerias potenciais para uma atuação mais estratégica
Dado esse desafio, realizei uma pesquisa exploratória sobre o campo da comunicação baseada em evidências e comprometida com a defesa de direitos humanos no Brasil e na Colômbia, que indicou que ainda há muitos ruídos e muitas pontes a serem construídas mesmo dentro do campo da comunicação por direitos.
A proposta da pesquisa, realizada em 2021, foi mapear empresas, agências e/ou especialistas em comunicação que façam parcerias com organizações de direitos humanos no desenvolvimento de mensagens baseadas em evidências. Quando dizemos “baseadas em evidências”, estamos nos referindo a ações de comunicação que integram pesquisa, testes ou avaliações para entender e influenciar mais efetivamente o conhecimento, as atitudes e comportamentos de públicos específicos.
O ecossistema brasileiro de comunicação por direitos vem se desenvolvendo e se diversificando principalmente na última década, mas ainda apresenta muitas lacunas e fragilidades. Não é comum encontrar profissionais de comunicação trabalhando com comunicação baseada em evidências – com técnicas e metodologias sólidas – e com proximidade e familiaridade com pautas de direitos humanos. “Acho muito difícil encontrar meus pares”, disse uma das entrevistadas, que trabalha há mais de 20 anos com comunicação de direitos humanos. “A maioria dos comunicadores que atuam nas OSCs tem o perfil de executores, não estrategistas, e não possuem recursos suficientes para desenvolver ações estratégicas e baseadas em evidências”, disse outra.
As entrevistas mostraram que há um entendimento geral de que fazer pesquisa é caro e demorado, e que o terceiro setor em geral e as OSCs em particular não costumam ter os recursos necessários. A comunicação baseada em evidências está associada a uma prática corporativa do mercado publicitário, com que somente empresas ou grandes fundações podem arcar.
“Não existe esse orçamento. Exceto para projetos excepcionais muito grandes, o que eu faço é diagnóstico e benchmarking, avaliando o que a organização tem de mais forte, comparando com outras – é a pesquisa do dia a dia que está disponível para organizações sociais. Essa história de fazer pesquisa de mercado ainda é utópica”, disse uma das entrevistadas.
Para investir em pesquisa e comunicação baseada em evidências, a forma mais comum é por meio de redes e com o apoio de fundações internacionais. É consenso que precisamos expandir as informações sobre pesquisa e comunicação orientada por dados: “Esse ainda é um tema novo no terceiro setor. O primeiro tópico é levar informação, depois desenvolver treinamento para trabalhar com pesquisa. E isso tem que ser um conhecimento construído coletivamente”, disse outro entrevistado.
Resumidamente, listo abaixo os principais desafios e oportunidades levantados:
Desafios
• Resistência a/falta de uma cultura de avaliação baseada em dados.
• Entendimento de que pesquisa uma prática tipicamente corporativa e cara.
• Crença de que a mensagem deve ser para todas as pessoas – dificuldade em segmentar públicos e trabalhar em parceria com outras organizações, cada uma com foco em um público diferente.
• Falta de acesso a tecnologias e ferramentas – muitas vezes há conhecimento e materiais disponíveis que não são acessados como poderiam ser. Alguns exemplos são os monitoramentos de debates digitais da Linterna Verde, e as ferramentas de visualização de dados para quem não tem designers e programadores na equipe fornecidos pelo Datasketch. “Não faz sentido que as organizações tenham consultores constantes ou esporádicos para pesquisas ou comunicações baseadas em evidências, elas precisam ter autonomia e possuir as ferramentas”, diz o fundador do Datasketch.
• Dificuldade de comunicação entre setor social e agências de comunicação e pesquisa que prestam serviços para OSCs – estas apontam “visão ativista e dificuldade de ser mais pragmático e racional do que emocional”.
• Baixo investimento em comunicação.
Oportunidades
• Apesar dos desafios, há um consenso de que, em geral, na América Latina, a pesquisa está aumentando e há mais consciência de que os dados são importantes para medir e avaliar.
• Surgimento de organizações transnacionais que estão desenvolvendo iniciativas e pesquisas regionais, como Bridges.
• Há um cenário crescente formado por organizações sem fins lucrativos de comunicação, advocacy e mobilização. Mais frequentes na Colômbia do que no Brasil, essas organizações híbridas prestam serviços para outras OSCs (e às vezes para empresas), mas também desenvolvem seus próprios projetos – relacionados à pesquisa social, comunicação estratégica, pesquisa e análise de big data, estratégias narrativas, inovação política etc. São organizações que combinam experiência em comunicação baseada em evidências com envolvimento e compreensão de causas dos direitos humanos.
• Tendências ESG: o setor privado vem buscando maior alinhamento com a comunicação de causas – há ampliação da discussão sobre diversidade e inclusão nas empresas, e maior exigência dos consumidores por posicionamento e coerência.
• Multiplicação de agências de comunicação criadas ou reposicionadas para atender o terceiro setor, que tem investido mais em comunicação.
• Criação de redes de comunicadores de causas: o fato de ONGs e OSCs incorporarem comunicadores e jornalistas em suas equipes também resultou na criação de redes de comunicadores do terceiro setor, como Rede Narrativas e Rede Cardume.
A pesquisa, que fez um mapeamento preliminar, focou-se em organizações que prestam serviços para outras OSCs mas também desenvolvem seus próprios projetos, e que estão listadas nesse documento.
Entretanto, também evidenciou a necessidade de compreender a comunicação por direitos como um ecossistema que reúne diferentes atores estratégicos, que se relacionam em maior ou menor grau, e que podem e devem trabalhar juntos, pois seus recursos e papéis se complementam: agências de pesquisa, redes de comunicadores por direitos, mídias comunitárias, etc.
Há muitos recursos e saberes que podem ser compartilhados, como pesquisas de segmentação de públicos produzidas pela Bridges como insumo estratégico para as organizações sociais que atuam por direitos. Monitoramentos e análises do debate digital também precisam circular mais, pois permitem que tenhamos uma perspectiva geral das conversas digitais, mostrando quem são os macro atores que estão realmente influenciando, qual é a proporção do impacto de cada organização e campanha, e como podemos nos unir e organizar para aumentar nosso impacto coletivo.
Monica Roa fala do desejo de ver as organizações defensoras de direitos humanos atuando como a melhor banda de jazz: tocando música excelente sem maestro ou partitura, inspirando diversos públicos a seguir nossa batida trabalhando de maneira harmônica, estratégica e responsiva. O caminho passa pela construção de estratégias coletivas, de forma que possamos dividir tarefas e focos, garantindo a autonomia de cada organização.
O fortalecimento da comunicação baseada em evidências na região exige considerar o ecossistema como um todo, e multiplicar e potencializar parcerias e ações coletivas entre esses diferentes atores.