Semíramis Biasoli – Foto de Ed Davies
Em 2025, o FunBEA — Fundo Brasileiro de Educação Ambiental — celebra 13 anos de (re)existência, trajetória que é também símbolo de resistência, inovação e visão de futuro. Primeiro fundo de educação ambiental da América Latina e dos países de língua portuguesa, o FunBEA foi criado a partir da força coletiva de educadoras populares, pesquisadoras, ativistas socioambientais e gestores públicos, reunindo um capital social que se mantém como motor de sua atuação até hoje.
Nesta entrevista, conversamos com Semíramis Biasoli, secretária geral do FunBEA e referência na luta por educação ambiental crítica e filantropia de justiça socioambiental. Ela compartilha os marcos históricos da organização, reflete sobre a potência das alianças no contexto atual de crises climáticas e desigualdades crescentes, e aponta os caminhos para fortalecer práticas transformadoras desde os territórios. Um convite a olhar para a educação ambiental e a filantropia para além do senso comum — como instrumentos vivos de mudança social.
Good reading!
O FunBEA está celebrando 13 anos de (re)existência. Quais marcos dessa trajetória você destacaria como mais simbólicos ou transformadores?
Semiramis Biasoli Como marco simbólico, a criação do 1º fundo de educação ambiental existente na América Latina e nos países de língua portuguesa atesta um campo visionário que há algumas décadas denuncia a expropriação socioambiental e a carência de recursos para processos educadores socioambientais. Criado sem recursos financeiros, por gestores públicos, educadores populares, professoras, pesquisadoras e ativistas socioambientais, com 198 associados fundadores e incubado em uma universidade pública, o FunBEA resiste pelo capital social do grupo que o criou e permanece fortalecendo-o, incluindo o reconhecimento pelo Programa Nacional de Educação Ambiental-ProNEA (Brasil, 2023, pg.33). Como destaque do exercício da missão de fundo independente e descentralizador de recursos, fizemos as Chamadas públicas 2023 e 2024, com o apoio direto e indireto para comunidades que viveram um dos maiores eventos climáticos do Brasil. A iniciativa é encarada como um laboratório, no qual se está experimentando e avaliando, através de um processo dialógico e participativo, o protagonismo de movimentos de um território afetado. Esse processo também é gerador de dados e conhecimentos sobre filantropia de base territorial e justiça climática. Também é destaque a incidência no campo climático, com a construção de 10 Diretrizes de Educação Climática e a construção de uma agenda pública (Revista Soberania e Clima, abril 2025). A produção desse conhecimento é instrumento para a incidência da educação ambiental na agenda do clima e do financiamento climático. Outro marco importante para o FunBEA foi a entrada oficial na Rede Comuá em 2020. Embora a entrada oficial tenha ocorrido em 2020, o FunBEA esteve presente na reunião de constituição da Rede, que ocorreu na Rio+20, em 2012. E recentemente, no final de 2024, muito nos honrou o convite para o FunBEA integrar a Alianza Socioambiental Fondos del Sur.
Como as abordagens de educação ambiental e filantropia se fortalecem mutuamente na atuação de vocês?
A Educação Ambiental brasileira nasce na década de 60 da luta por direitos, na luta contra a ditadura no Brasil, pelo direito das mulheres e contra a desigualdade social, trazendo a natureza ao centro, e assim cunha o conceito socioambiental. A filantropia nasce também da luta por direitos sociais. Ambos os campos sofrem de incompreensão do seu papel, quando o senso comum identifica filantropia com assistencialismo, com “ajuda aos pobres”, ou quando concebe que a Educação Ambiental é uma atividade nas escolas ou com crianças. São visões ultrapassadas que não retratam o importante papel que ambas têm na transformação de nossas sociedades. Acredito que a filantropia e a Educação Ambiental se fortalecem mutuamente quando combatem e atuam nas causas históricas que criaram e perpetuam as perdas de direitos socioambientais e não apenas combatem ou atuam nas consequências das desigualdades.

No contato direto com os territórios, o que tem emergido com mais força? Quais pautas, urgências ou vozes têm se destacado?
O contato com os territórios demonstra claramente que uma maioria segue ocupada com a própria sobrevivência, ainda desatenta sobre a importância da política em suas vidas, porém descontente com o seu cotidiano, com a falta de escuta pelo poder público de suas necessidades e com a impotência frente às forças mercadológicas que transformam as vidas em mercadorias. Mas o contato com os territórios também demonstra que há organização social, que há movimentos que cada dia demonstram mais sua força e que estão buscando ocupar espaços políticos de tomada de decisão. Esses movimentos comprovam que é nesses espaços coletivos que se ganha força para a busca de melhor qualidade de vida para todos. Movimentos e coletivos que desconstroem a individualidade que o atual modelo de civilização impõe, e que é uma das causas da perda de direitos operadas há décadas por assimetrias de poder, onde alianças entre governantes que não os representam e tomadores de decisão do mundo do mercado e dos capitais mantém o poder em detrimento das pessoas “comuns”, ou seja, nós.
Pensando no contexto atual, em que crises climáticas se aprofundam e os recursos seguem concentrados e escassos para o Sul Global, como você enxerga o papel da filantropia comunitária e de justiça socioambiental na luta por justiça climática?
A crise climática é anunciada por nós, ambientalistas do Sul Global, desde o surgimento dos movimentos, e dia após dia ganha importância, pois, infelizmente, não temos força suficiente ainda para virar esse jogo! A conquista de espaços políticos que a filantropia vem exercendo é fundamental para conter o aumento e piora das crises, que vão desde a falta de água e alimentos, até os desastres. Não podemos mais nos ausentar de nossas responsabilidades com a vida, e infelizmente o que vemos por parte de quem tem a condução de nossos destinos nas mãos – vou dar um exemplo prático: quando a maioria acredita que há energia limpa na matriz brasileira eólica ou solar, desconsiderando como ela está sendo produzida, é um grande erro! Quando a maioria acredita que um carro elétrico é “melhor” que um carro movido a combustível fóssil, sem reconhecer que se mantém sendo acessível para poucos, que se mantém a lógica financeira e individualista e pior, que se mantém a necessidade de minerais críticos para se produzir carros elétricos, é um grande erro! E aí que retomo minha primeira reflexão sobre o papel da Educação Ambiental e da filantropia quando atuam para conhecer e combater as causas, para reforçar o potencial de contribuição da filantropia de justiça socioambiental na luta por justiça climática, que acredito que é de fato mais que urgente e necessário de ser reconhecido, valorizado, como também colocados recursos para essa urgente desconcentração de poder.
Por fim, olhando para o futuro: o que você espera construir nos próximos anos com o FunBEA, com a Comuá e com as redes das quais fazem parte?
Para mim, o único caminho possível é o das Alianças: não há tempo, ou melhor, não há mais tempo para construção de instituições fortes, mas sim de alianças fortes. Da mesma forma que no chão, nos territórios, são os movimentos coletivos as forças capazes de operar as mudanças, acredito que institucionalmente também são as redes e alianças que são capazes de ganhar forças suficientes para incidir em espaços de tomadas de decisões globais, desde que – e isso é fundamental – nos mantenhamos fiéis ao princípio máximo que nos une, desconstrução de poder, luta com os movimentos e territórios e por direitos inalienáveis, como o direito à vida e à natureza.