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Confiança, escuta e protagonismo: ELAS+ celebra 25 anos fortalecendo lideranças de mulheres cis, trans e pessoas de outras transidentidades nos territórios

Savana Brito – Reprodução/Fundo ELAS+

Completando 25 anos em 2025, o ELAS+ Doar para Transformar é o primeiro fundo brasileiro de investimento social dedicado exclusivamente à promoção do protagonismo de mulheres cis, trans e de outras transidentidades. Reconhecido como referência na filantropia feminista, o fundo investe no fortalecimento de organizações e grupos liderados por essas populações, que são historicamente excluídas do acesso a recursos. Com uma atuação enraizada na escuta, confiança e flexibilidade, o ELAS+ têm contribuído para consolidar um ecossistema de apoio que respeita os saberes dos territórios e aposta na potência das lideranças comunitárias.

Nesta entrevista à Rede Comuá, Savana Brito, diretora executiva do ELAS+, revisita os marcos dessa trajetória e reflete sobre os desafios de fazer filantropia com um olhar interseccional. Ela destaca a importância de alinhar justiça de gênero, racial e climática, comenta o cenário atual da filantropia no Brasil e reforça a urgência de descentralizar o poder e democratizar o acesso a recursos.

Good reading!

O ELAS+ completa 25 anos em agosto de 2025. Quais momentos ou conquistas você destacaria nessa trajetória? E que aprendizados essa caminhada revela sobre a potência da filantropia feminista no Brasil?

Ao longo desses 25 anos, o ELAS+ tem conseguido alcançar grupos e territórios historicamente excluídos do acesso a recursos. Estamos falando de organizações que muitas vezes não possuem CNPJ, endereço formal ou estrutura institucional mínima. Então é uma grande conquista ver os recursos chegando a esses lugares e acompanhar, de perto, o fortalecimento desses grupos a partir de um primeiro apoio. Vimos muitos grupos se desenvolverem institucionalmente, ampliar suas fontes de recursos, começar a acessar grandes financiadores e fundações. Alguns, inclusive, conseguiram conquistar sede própria. E isso representa um avanço enorme, pois cria condições reais de sustentabilidade para essas organizações e os seus ativismos a médio e longo prazo.  

Isso só foi possível por conta do modelo de apoio flexível que a gente tem, e dessa premissa de escuta do ecossistema de organizações, construindo confiança com o campo e as organizações que a gente apoia. Ver esses grupos integrando esse ecossistema cada vez mais de um lugar de protagonismo, pautando a filantropia para que ela se baseie cada vez mais nas necessidades e demandas dos próprios territórios, é algo muito importante e que ainda pode avançar ainda mais. 

Acredito que um dos grandes aprendizados é essa forma especial que fazemos filantropia aqui na América Latina, e falando especialmente dos fundos de mulheres, a partir desse modelo que aposta na flexibilidade, confiança e escuta dos grupos. O aprendizado é mútuo, a gente aprende muito com a resiliência e a capacidade de articulação, as soluções e respostas a momentos de crise e desafios que as próprias organizações e as mulheres cis, trans e pessoas de outras transidentidades articulam nos seus territórios. 

E pra gente hoje também é uma alegria ver que existe todo um ecossistema de fundos comunitários e independentes no Brasil, e o ELAS+ foi um dos primeiros. A gente se orgulha muito disso, de ter caminhado junto ao longo desses 25 anos, e ter podido ver surgir, florescer e se fortalecer todo um campo no Brasil de fundos independentes que hoje trabalham em conjunto para que a filantropia privada brasileira se comprometa com o apoio à sociedade civil, a organizações comunitárias, grupos, coletivos e movimentos, especialmente de grupos historicamente minorizados.

Atuando nas agendas de gênero, raça, transidentidades e meio ambiente, o que significa fazer filantropia com esse olhar interseccional? Pode compartilhar exemplos que traduzem essa abordagem?

Fazer filantropia dessa perspectiva interseccional é reconhecer as interrelações entre as diferentes formas de desigualdade. Estar perto de grupos e organizações comunitárias faz a gente entender, cada vez mais, que não dá pra trabalhar justiça ambiental sem falar de justiça social e de gênero. Não dá pra enfrentar a crise climática sem enfrentar também o racismo, a violência de gênero, a LBTfobia, as desigualdades históricas. Não dá pra separar uma coisa da outra. Os mesmos grupos ou comunidades que sofrem com violência racial, com ataques aos seus territórios, convivem com situações de insegurança alimentar, falta de acesso à água potável, à moradia digna, com as várias formas de violência. 

Dentro do ELAS+, acho que o maior exemplo que eu posso trazer é o Mulheres em Movimento, que é o nosso maior programa. Desde a primeira edição, lá em 2017, ele já nasceu com essa proposta de reunir uma diversidade de agendas e movimentos que, mesmo com as suas diferentes prioridades, objetivos e até metodologias, se encontram na luta por justiça social, por maior participação política, por ocupar espaços de poder e tomada de decisão, pelo direito a uma vida digna. E a gente enxerga como esses grupos atuam em múltiplas frentes e lidam cotidianamente com realidades complexas de desigualdade e resistência. 

Outro ótimo exemplo é o trabalho da própria Rede Comuá, que promove uma aliança entre fundos e organizações que atuam com diferentes populações, metodologias, agendas e focos. Em vez de fragmentar essas pautas, a Rede reconhece as conexões profundas entre elas e estrutura suas estratégias de incidência e apoio justamente para fortalecer essas lutas de maneira integrada e articulada. Fazer filantropia com esse olhar interseccional é, antes de tudo, reconhecer essas conexões. É entender que descentralizar recursos significa, também, buscar reparar as múltiplas injustiças e permitir que os próprios grupos definam o que é prioritário, o que é mais importante em um determinado momento, de que forma querem atuar, respeitando os saberes acumulados naquele território e as demandas das pessoas que vivem ali. 

É essa filantropia que a gente defende e acredita: uma filantropia que não chega impondo o que é importante ou como deve ser feito, mas que apoia, fortalece e caminha junto. Não somos nós que vamos dizer o que é prioritário ou “como fazer”, são as próprias comunidades e organizações que vão definir isso com o nosso apoio e suporte.

Congresso GIFE 2025 – Foto: Rede Comuá

Como o ELAS+ tem integrado a agenda do clima à sua atuação, especialmente em um momento em que o debate climático ganha força no Brasil com a aproximação da COP30? Que experiências lideradas por mulheres têm mostrado que gênero-raça-transidentidades e justiça climática caminham juntas nos territórios?

Ano passado a gente lançou uma pesquisa super importante: “Justiça Climática e Ativismos Feministas”, que ouviu 1.280 grupos e organizações lideradas por mulheres cis, trans e pessoas de outras transidentidades. E identificamos que, ao mesmo tempo que estão entre as populações mais impactadas, esses grupos são parte fundamental na construção de respostas e soluções aos eventos climáticos extremos. Elas vêm desenvolvendo um trabalho que vai desde a proteção e defesa dos territórios até a criação de planos de contingência, respostas comunitárias como a construção de redes de apoio e mutirões de reconstrução, capacitações, campanhas de sensibilização e conscientização… uma série de ações desenvolvidas a partir dos próprios territórios. E a gente tem conseguido produzir conhecimento sobre essas respostas e soluções. 

Foi a partir dessa escuta do campo, da pesquisa que fizemos, que a gente decidiu lançar o Edital ELAS Pela Terra este ano. A ideia é intensificar ainda mais o nosso apoio a esses grupos liderados por mulheres cis, trans e outras transidades que atuam nessas pautas e que tem liderado soluções e respostas à crise climática – especialmente as mulheres indígenas, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas, moradoras de regiões periféricas das grandes cidades… Isso é muito importante se a gente levar em consideração que o financiamento para esses grupos ainda é muito tímido – algumas estimativas falam em apenas 1% do total dos recursos para o financiamento climático que vai para organizações ou projetos que trabalham a justiça climática em intersecção com uma perspectiva de gênero. Então há muito trabalho ainda para ser feito.

O ELAS+ também tem integrado uma série de alianças e redes muito importantes nesse debate climático. Um exemplo é a GAGGA — a Aliança Global por Ações Verdes e de Gênero — uma rede que conecta fundos e organizações de cinco continentes, que a gente integra desde 2021. Aqui no Brasil, a gente também atua junto à Aliança Entre Fundos, com os nossos parceiros que fazem parte da Rede Comuá – o Fundo Brasil e o Fundo Casa. Juntos a gente tem conseguido construir estratégias para incidir nessa agenda e também atuado de forma muito ativa para direcionar o financiamento climático para as organizações comunitárias, para que esse financiamento seja realmente inclusivo, sustentável e, acima de tudo, justo.

Sabemos que as soluções climáticas estão nos territórios, e que na maioria das vezes, são as  mulheres cis e trans, especialmente negras, indígenas e periféricas, que lideram essas respostas. O que significa para o ELAS+ apoiar essas lideranças ?

Acho que isso está no nosso “DNA”, é algo que faz parte da nossa missão desde o começo. Se você olhar os nossos primeiros editais, o ELAS+ já apoiava grupos e organizações liderados por mulheres indígenas, quilombolas, mulheres que há mais de 20 anos defendem seus territórios, protegem suas comunidades e atuam na agenda ambiental. O que acontece é que na última década houve um maior aprofundamento dessa agenda no debate público e uma maior conscientização por parte de alguns setores, além de um fortalecimento e letramento maior por parte da própria sociedade civil e do ecossistema da filantropia, de conseguir articular e estar com maior segurança em determinados espaços de decisão, fazer mobilização, incidência. 

Para a gente, seguir fortalecendo as estratégias de apoio a essas lideranças é motivo de orgulho. Realmente entendemos que o aprendizado é mútuo e estar ao lado delas nos Diálogos – que são encontros que fazem parte da nossa metodologia – são momentos incríveis, em que a gente consegue visualizar e aprender com elas sobre como lidar com os desafios, as estratégias de resiliência, fortalecimento e cuidado mútuo, de articulação política e comunitária. A gente enxerga na prática a potência daquilo que já está sendo feito, e entende que pode ser feito muito mais se houver mais recursos.

Em um campo ainda marcado pela concentração de poder e recursos, alianças como a Rede Comuá propõem outra lógica: a da construção coletiva, da escuta e da confiança nos territórios. O que você identifica que emerge a partir desse tipo de atuação?

Os fundos têm cada um suas expertises e focos de atuação, e quando a gente atua juntos a gente consegue criar uma complementaridade das agendas, das expertises, metodologias que cada um tem desenvolvido. Além de reforçar várias vozes trazendo a mesma mensagem: as soluções e as estratégias já estão sendo desenvolvidas nos territórios, e com isso a gente cria maior legitimidade e repercussão no campo, a gente passa a ser mais ouvido.

Mais do que nunca, é tempo de atuar coletivamente, construir alianças e atuar colaborativamente. Tem muito recurso mas ele não chega necessariamente onde tem que chegar. Essa atuação colaborativa e coletiva dos fundos comunitários e independentes é uma forma de potencializar o acesso a esses recursos, de desbloquear fontes que são mais difíceis de acessar, ou até mesmo chegar a setores da filantropia que não estão tão abertos a apoiar essa forma de atuação, ou que não conhecem o trabalho que já está sendo desenvolvido nos territórios.

Por fim, olhando para os próximos anos, quais são os sonhos, apostas e caminhos que o ELAS+ pretende seguir para continuar fortalecendo as lutas por direitos e reinventando o próprio campo da filantropia?

Olhando para os próximos anos, o ELAS+ sonha com um cenário em que todas as organizações que apoia tenham condições plenas de desenvolver suas ações, se manter firmes e fortalecidas — não apenas existindo para resistir ou sobreviver, mas para transformar todo o conhecimento e a experiência que acumulam em direitos concretos, em políticas públicas, em reconhecimento social. Queremos uma sociedade civil pulsante, com capacidade real de produzir avanços em justiça social, igualdade, equidade, e, principalmente, impulsionar a redistribuição de recursos e a descentralização do poder. Apostamos que a filantropia precisa, cada vez mais, colocar em prática os aprendizados que temos acumulado coletivamente: confiança, flexibilidade e protagonismo dos grupos e movimentos sociais. A filantropia não deve apenas ajudar na resistência, mas ser parte ativa na construção e fortalecimento de direitos, promovendo o bem comum e o bem viver.

Ao mesmo tempo, sabemos que esse caminho exige também que o ELAS+ siga se fortalecendo internamente. Depois de 25 anos de trajetória, tendo realizado tantos sonhos — como se consolidar enquanto fundo e ver todo um ecossistema florescer e também se consolidar —, seguimos conscientes de que a sociedade é dinâmica, que nos provoca e nos move constantemente. Por isso, nosso compromisso é manter a capacidade de transformação como parte essencial da nossa identidade: seguir evoluindo para ser cada vez melhor, tanto para o público que apoiamos quanto para as pessoas que fazem parte da organização. É esse duplo movimento — de fortalecimento interno e transformação externa — que acreditamos ser essencial para continuar impulsionando as lutas por direitos e, ao mesmo tempo, reinventando o próprio campo da filantropia.

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