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Creatividad y resistencia: Reflexões a partir do intercâmbio entre Comuá, Comunalia e TerritoriA

Por Yasmin Morais*.

Na edição de 2025 do Grammy, Esperanza Spalding sentou à mesa com um cartaz em protesto, com a frase “this living legend should be seated here” acompanhada de uma foto da lenda viva a que se referia, Milton Nascimento. Milton foi convidado para acompanhar a cerimônia, porém não pôde se sentar nas mesas no andar principal, onde ficam os indicados e convidados de destaque, mesmo com a participação dele no álbum “Milton + Esperanza”, indicado à categoria “melhor álbum vocal de jazz”.

Em paralelo, no campo da filantropia e da justiça social, estamos digerindo a notícia da vez: os cortes no financiamento estadunidense para iniciativas no Sul Global por meio de agências de ajuda humanitária. Na verdade, esses cortes fazem parte de um movimento maior de redução do financiamento para agendas de justiça socioambiental e direitos humanos. Historicamente, há pouco apoio a esses temas, especialmente no Sul global. A Pesquisa Trust Gap (2019), da Human Rights Funders Network, por exemplo, aponta que apenas 12% dos recursos destinados aos direitos humanos da filantropia, oriundos do Norte Global, chegam para o Sul e Leste Globais. As notícias atuais advindas das eleições estadunidenses são, portanto, uma tendência já observada amplamente, e também um desafio que se aprofunda para a sociedade civil organizada no Sul global.

Imagem: Gráfico ilustrando a disparidade na distribuição de recursos para direitos humanos para diferentes regiões do mundo. Fonte: HRFN (2019)

Curiosamente (e não por coincidência), a representação norte-americana e europeia em premiações como o Grammy historicamente é significativamente maior do que a participação de artistas do Sul. Isso se dá por fatores estruturais diversos. Sem me aprofundar muito nesses motivos e reconhecendo a sua complexidade, me permito refletir: O que aconteceria se todos os artistas latinos e do Sul Global que merecem reconhecimento pela sua contribuição não somente artística, mas política, se sentassem frente às câmeras do Grammy? E se invertêssemos as porcentagens de recursos destinados às diferentes regiões? Não é simples prever esses cenários, mas meus desejos utópicos antecipam uma reparação histórica: teríamos democracias fortalecidas, minorias políticas profundamente representadas, desigualdades reduzidas e, principalmente, dinâmicas de poder globais alteradas por narrativas contra-coloniais.  

No entanto, a realidade aponta para um movimento contrário. 

Esse contexto nos chama para reflexões importantes sobre o papel das filantropias nacionais e internacionais. Seguiremos insistindo para entrar nas listas de prioridades do Norte, para sentar em suas mesas, ganhar os seus prêmios, receber seu apoio? Ou voltaremos nossos olhares e desejos ao que já temos construído historicamente, confiando nas experiências que já acumulamos?

Essas perguntas me acompanharam do Brasil ao México, onde estive nos últimos dias para realizar um intercâmbio de aprendizados com duas outras redes de filantropia comunitária latino-americanas: Comunalia, do México, e TerritoriA, da Colômbia. Nós três nos encontramos no México com apoio da Connecting Communities in the Americas (CCA) e tivemos dias bonitos de trocas sobre nossos aprendizados e reflexões coletivas frente ao contexto político em que vivemos. Esse encontro foi uma oportunidade valiosa de relembrar e reafirmar o que carregamos em nossas veias latinas: resistência e criatividade. 

Foto: pessoas integrantes das equipes das três organizações reunidas na Cidade do México.

Com membros diversos e espalhados por todo México, Comunalia me relembrou a essência da filantropia comunitária. Em um estudo que fez ano passado, essa rede quantificou (de maneira estimada) o valor das doações financeiras e não-financeiras feitas pelas próprias comunidades apoiadas por seus membros e as comparou com doações recebidas nacional e internacionalmente. O resultado foi interessante de observar: a maior fatia dos recursos totais veio da própria comunidade, ou seja, aquilo que muitos financiadores costumam chamar de “fundos perdidos” são, na verdade, fundos multiplicadores, que servem para alavancar os ativos e recursos que as comunidades já possuem. A essência da filantropia comunitária é esta: encontrar formas criativas de alavancar o poder que já existe nas comunidades. Com isso, TerritoriA contribuiu com uma provocação importante: estamos no momento de responder ao individualismo com coletividade e colaboração. Isso significa seguir construindo redes, nos fortalecendo, valorizando o que sabemos e os recursos que temos. 

Foto: Visita a uma organização apoiada pela Fundación Comunitária Malinalco.

No entanto, nossa sobrevivência também está condicionada a boas condições de trabalho e de vida. Por isso, é nítido que precisamos de mais recursos financeiros. Este, portanto, também é um convite para nossos aliados, especialmente à filantropia nacional e do Sul global. Temos riquezas, mas elas precisam ser distribuídas de forma que coloquem em prática o nosso discurso: de maneira descentralizada, com confiança, flexibilidade, em parceria. A publicação lançada recentemente pela Rede Comuá, “Filantropia Comunitária no Brasil: princípios, práticas e experiências” aponta para alguns caminhos possíveis. Entre eles, o apoio a iniciativas já presentes por meio de parcerias com fundos da filantropia independente, “fomentando seu desenvolvimento institucional ou a criação de linhas de apoio específicas”. 

Este é o momento de unirmos esforços de maneira propositiva, sem deixar que a falta de convites para premiações importantes (para o Norte) nos paralise e nos impeça de seguir. Aos financiadores e parceiros internacionais, o convite também segue de pé: unir forças para mudar o cenário de acesso a recursos financeiros a nível local, nacional e internacional, de forma a alavancar as lutas e conquistas que já têm lugar histórico na atuação das comunidades. 

No intercâmbio, também tive a oportunidade de visitar duas organizações membro de Comunalia: Fundación Mercéd Querétaro e Fundación Comunitária Malinalco. Apesar de diferentes, ambas trabalham fomentando redes locais e criando estratégias criativas para mobilizar recursos em seus territórios. Em trocas com Fundación Mercéd, sua equipe enfatizou, a partir da sistematização de seus aprendizados sobre o fomento de redes locais, que as redes são instrumento importante para incidência política e capacitação das organizações apoiadas. Em trocas com a Fundación Comunitária Malinalco sobre resiliência e adaptação climática, me surpreendeu a diferença imensa que tem feito o seu trabalho no combate e na prevenção de incêndios florestais em seu território, que teve uma redução de 320 a cerca de 20 incêndios por ano, graças ao apoio às brigadas voluntárias e outros grupos da sociedade civil. Essa história se relaciona com várias Soluções Climáticas Locais lideradas pelos membros da Rede Comuá, as quais pude compartilhar com parceiros ao longo da viagem. Essas soluções têm algo importante em comum: elas partem dos saberes e práticas das próprias comunidades. Não são soluções abstratas e teóricas, mas práticas e históricas. São soluções possíveis e escaláveis, como coloca Cris Orpheu, diretora-executiva do Fundo Casa Socioambiental.

Foto: Visita a uma organização apoiada pela Fundación Comunitária Malinalco.

No intercâmbio, também visitei organizações apoiadas pelas fundações mencionadas acima. Em uma delas, aprendi sobre os ciclos de plantio e colheita. Um poema (imagem abaixo) estampado no local onde a equipe da Fundación Comunitaria Malinalco atualmente trabalha me ensinou: uma colheita se dá pela junção entre o que a terra tem e a forma como a cultivamos. A terra traz nutrientes e fertilidade, mas a colheita também depende de luz, água e cuidado. Já temos terra fértil, mas precisamos de um cultivo constante, paciente e generoso para gerar frutos que sustentem a nossa nutrição física e social. 

Foto: Ad-Libitum Cénix C. Callejo. Foto tirada no local de trabalho da Fundación Comunitária Malinalco

Digo isso para enfatizar: nossa resiliência e criatividade podem nos levar a criar novos modelos de financiamento, em que o que vem de fora sirva para multiplicar o que já existe dentro, e em que dinâmicas de poder se alterem a partir de nós mesmos. Para ecoar Elizaphan Ogechi, diretor-executivo da Nguzo Africa, “precisamos de modelos que valorizem parcerias equitativas, que enfatizem a solidariedade e facilitem a autodeterminação das comunidades e do planeta”. 

“Eu queria ser feliz

Invento o mar

Invento em mim o sonhador

Para quem quer me seguir

Eu quero mais

Tenho o caminho do que sempre quis

E um Saveiro pronto pra partir

Invento o cais

E sei a vez de me lançar”

(Milton Nascimento / Ronaldo Bastos)

__________________
¹ Em português, “esta lenda viva deveria estar sentada aqui”.


*Yasmin Morais é graduada em Relações Internacionais pela University of Boston/Universidade Anhembi Morumbi e mestre em Poder, Participação e Mudança Social pelo Institute of Development Studies. Atualmente, é Assessora de Programas na Rede Comuá.

Imagem de capa: Por Chis. e Chiapas em San Cristobal de las Casas, Mexico de Meg Pier (@peopleareculture) disponível no Unsplash.

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