Foto: Divulgação Tabôa
Por: Roberto Vilela e Simone Amorim
Quando pensamos na agenda do clima no Brasil, a agricultura familiar ocupa uma posição crucial. Mesmo estando entre os que menos contribuem para as mudanças climáticas, agricultoras/es familiares estão entre as populações mais impactadas pelos seus efeitos, uma vez que dependem diretamente do clima para manter seus modos de vida e sua subsistência.
A condição de vulnerabilidade fica ainda mais grave quando aplicados recortes de gênero e situação socioeconômica, por exemplo. O relatório The unjust climate (2024) indica que, anualmente, domicílios liderados por mulheres rurais perdem em média 8% a mais de sua renda por conta do estresse térmico e 3% a mais devido a inundações, quando comparados a domicílios chefiados por homens. O documento aponta ainda que famílias rurais pobres contabilizam perdas 5% maiores, em comparação a famílias em melhor condição econômica.
Lançando o olhar sobre o contexto brasileiro, em especial territórios rurais do Nordeste, a agricultura familiar tem enfrentado desafios multidimensionais, que envolvem o acesso a recursos financeiros, à terra e a direitos humanos básicos. A nova condição climática – e o indicativo de que as regiões Norte e Nordeste do Brasil terão secas mais constantes, excessos de chuvas, por vezes, na mesma região, ondas de calor extremas e uma maior variabilidade de precipitação ao longo de diferentes anos – aprofunda desigualdades estruturais historicamente construídas.
Longe de previsões futuristas, as mudanças climáticas já fazem parte da vida das famílias agricultoras, como ilustram depoimentos que coletamos durante as gravações da websérie Caminhos de Resiliência, produzida no âmbito do Transformative Month of Philanthropy, liderado pela Rede Comuá. Perguntadas/os sobre como percebem a crise do clima no dia a dia, agricultoras/es familiares compartilharam experiências cada vez mais recorrentes e intensas sobre as alterações nos ciclos das culturas produtivas, com mudanças no calendário de floração e colheita, variabilidade dos períodos de chuva e de seca, dos rios e das temperaturas, assim como suas repercussões na segurança alimentar e renda familiar.
Mas, ao mesmo tempo em que sofrem de forma desproporcional tais impactos, essas pessoas são também guardiãs de conhecimentos que podem contribuir muito para processos de mitigação e adaptação ao novo contexto climático. A agricultura familiar mostra, na prática, que é possível produzir protegendo a sociobiodiversidade, construindo sistemas alimentares saudáveis, capazes de promover a regeneração de ecossistemas locais e a resiliência comunitária.
São experiências como a da Rede de Agroecologia Povos da Mata, que reúne cerca de 1.200 agricultores/as agroecológicos e orgânicos no estado da Bahia, promovendo uma agricultura limpa, sem uso de agrotóxicos, ambientalmente responsável e socialmente justa. Iniciativas como o viveiro comunitário e agroecológico do Assentamento Dois Riachões, em que mulheres e jovens atuam coletivamente produzindo mudas de árvores nativas e frutíferas que são usadas para restaurar áreas degradadas e tornar áreas produtivas mais biodiversas, gerando renda e fortalecendo a atuação coletiva.
Desde 2017, a Tabôa Fortalecimento Comunitário tem fomentado a agricultura familiar e sua transição para a sustentabilidade, com a facilitação do acesso a recursos financeiros e conhecimentos, valorizando saberes e vocações locais. No campo, temos apoiado e cocriado com comunidades – especialmente assentamentos e projetos de assentamento de reforma agrária no sul da Bahia – soluções que cuidem das pessoas e do meio ambiente. Atuamos por meio de diferentes estratégias, trabalhadas de forma integrada, que envolvem desde microcrédito produtivo, um dos gargalos da agricultura familiar, até assistência técnica rural gratuita, formações, fomento a redes de cooperação e doações de recursos financeiros.
O que essa caminhada tecida com as comunidades no chão de seus territórios tem revelado é que soluções construídas localmente pelas pessoas, inspiradas na observação e convivência com a natureza, são importantes mecanismos de enfrentamento da emergência climática, pois geram benefícios em diferentes dimensões – sociais, econômicas, culturais e ambientais. No entanto, é preciso direcionar mais recursos – inclusive filantrópicos – para fortalecer tais experiências, ampliando as capacidades adaptativas no campo.
Também na agenda do clima, a filantropia comunitária e de justiça socioambiental tem um papel fundamental ao fortalecer iniciativas lideradas por minorias políticas, como é o caso de agricultoras/es familiares, uma vez que os impactos das mudanças climáticas são ainda piores para quem já convive com constantes ameaças aos seus direitos.
É preciso aprender com os saberes e as lições que vêm do campo. O que a prática nos mostra é que qualquer esforço de enfrentamento à crise climática nos territórios deve assumir o protagonismo de grupos e comunidades que historicamente tem nos mostrado que outros caminhos são possíveis. Por isso mesmo, é necessário fazer mais recursos chegarem, de forma simples, para fortalecer seus saberes, escalar suas experiências e apoiar sua adaptação.
Formado em Administração de Empresas e mestre em Administração Pública e Governo, Roberto Vilela é diretor executivo da Tabôa Fortalecimento Comunitário.
Gerente de Comunicação da Tabôa Fortalecimento Comunitário, Simone Amorim tem mestrado em Desenvolvimento Territorial e Gestão Social e graduação em Comunicação Social.