Foto: Divulgação Rede Comuá
A Rede Comuá e organizações membro se preparam para participar da COP-29 de Clima, que será realizada em Baku, no Azerbaijão, no próximo mês de novembro.
A participação não é algo novo para várias organizações da Comuá, que têm marcado presença nas conferências de clima da ONU (Organização das Nações Unidas). As vozes das filantropias comunitária e de justiça socioambiental e de pessoas que integram organizações e movimentos de grupos minorizados da sociedade civil têm ecoado nas últimas COPs, reforçando a importância de, na destinação de recursos, entender a mudança climática como uma questão, sobretudo, de garantia de direitos.
Comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, mulheres, negros, LGBTQIAPN+ são os mais afetados pelos efeitos extremos das mudanças climáticas, ainda que sejam os que menos contribuem para isso, e muitas vezes os que mais conservam os biomas brasileiros.
As organizações integrantes da Rede Comuá trabalham mobilizando recursos para esses grupos, apoiando comunidades em suas lutas por acesso a direitos e por justiça socioambiental.
Em setembro, Mês da Filantropia que Transforma, a Rede Comuá lançou a publicação “Comuá pelo clima: financiamento de soluções climáticas locais e cenários da filantropia”, no qual mapeou a atuação de suas organizações membro na agenda climática, a partir de sua interseccionalidade com a agenda de direitos.
Uma versão resumida deste documento foi lançada durante a Climate Week, realizada também em setembro, em Nova York, buscando sensibilizar financiadores para a importância de doar recursos para apoiar soluções climáticas locais (criadas por, para e com comunidades).
“Embora a interseccionalidade das agendas de clima e de direitos seja um ponto pacífico para nós, como Comuá, uma bandeira nossa e também uma questão dada para muitos de nossos parceiros no Sul Global, ficou muito evidente na Climate Week que, para os grandes financiadores, a tendência de colocar em caixinhas separadas as duas agendas parece estar sendo reforçada, quando o movimento deveria ser outro”, analisa do diretor executivo da Comuá, Jonathas Azevedo, diretor executivo da Rede Comuá.
“Se queremos falar de uma transição justa e de fato combater os efeitos das mudanças climáticas de uma maneira mais efetiva, que não deixe ninguém para trás, é preciso olhar para essas agendas de maneira conectada. Isso reforça a importância de a gente continuar presente nesses espaços, rever nossas estratégias, aprender com essa experiência de agora para estarmos de uma maneira cada vez mais qualificada e assertiva em outros espaços e fóruns internacionais no futuro”, completa.
Incidência necessária
Para Monica De Roure, vice-presidente e diretora de relações internacionais da BrazilFoundation – que sediou o lançamento da publicação -, define a participação coordenada na Climate Week como marco histórico para as organizações que compõem a Rede Comuá.
“Lançamos a iniciativa Comuá pelo Clima em São Paulo e Nova York, com o objetivo de demonstrar a investidores sociais a importância de atuar na origem das questões climáticas. As tragédias ambientais que aparecem nas manchetes são sintomas de problemas mais profundos, que afetam diretamente os territórios e suas populações. A ação em conjunto e o apoio financeiro e técnico às organizações de base comunitária e às populações que estão enfrentando as mudanças climáticas são a chave para gerar a mudança necessária. A Rede Comuá está onde o investimento mais tradicional não consegue chegar”, diz Monica.
Renato Orozco, da Associação Nossa Cidade, acompanhou o lançamento da publicação e destaca a importância do financiamento das soluções climáticas locais:
“Não tenho dúvida que as soluções mais efetivas são locais. Com a crise climática se aprofundando e mostrando seus efeitos em calamidades, é vital que o financiamento para organizações da sociedade civil se amplifique. A participação da Rede Comuá nesse tipo de evento é essencial para que as vozes de atores próximos aos territórios e comunidades sejam ouvidas.”
O Fundo Casa Socioambiental participou também ativamente da Climate Week, e reforça a importância da presença da Comuá nesse tipo de fórum:
“A semana de clima de Nova York é um espaço confuso para se navegar. Centenas de eventos simultâneos por toda Manhattan. Nesse último capítulo, membros da rede tiveram espaços de evidência importantes em eventos próprios, ou nos de outros parceiros. Sempre importante ajustar as expectativas para aproveitar ao máximo relações que podem se aprofundar no futuro”, destaca Maria Amália Souza, fundadora e responsável pela área de alianças e parcerias estratégicas do Fundo Casa.
Jonathas Azevedo reforça que a pauta da transversalidade das agendas de clima e direitos humanos ainda é rara nos grandes espaços de discussão e construção, sendo a questão do financiamento climático em apoio à sociedade civil muito pouco presente, o que reforça a importância da presença da Rede na incidência pela ampliação de recursos.
“Essa questão ficou bastante fora das conversas, e só era levantada quando nós, da filantropia comunitária, independente, representantes também de movimentos do Brasil que lá estavam, estávamos presentes no debate e a trazíamos de forma mais assertiva. Isso me faz questionar se de fato esse tema está presente nos debates, mesas e salas de tomada de decisão que nós ainda não conseguimos acessar. Espaços de poder, sobre decisão de alocação de recursos. Nossa presença mais coordenada dessa vez na Climate Week foi um aprendizado, mas também um recado de que a nossa presença lá e nesses outros fóruns e espaços internacionais é fundamental e estratégica para garantir que a agenda do financiamento da sociedade civil, que conecta direitos humanos com clima, não se perca em outros debates que se inserem em lógicas de mercado, mitigação ou de agendas ESG.”
Potência da atuação em rede
O Fundo Agbara promoveu, junto com outras organizações parceiras – Wellspring Fund, Black Hive, AfroLatino Forum e AfroResistance -, o Black Women Shaping Afrofutures, que reuniu mais de cem pessoas de países como Colômbia, Brasil, Estados Unidos, Madagascar, Haiti, Libéria, dentre outros, discutindo temas essenciais como justiça econômica, educação antirracista, justiça climática, tecnologia e bem-estar.
“Estar presente neste fórum nos coloca no centro de debates sobre o futuro climático e a justiça social. Mulheres negras têm sido historicamente excluídas dessas discussões, mas somos nós que trazemos as soluções mais urgentes e inovadoras para os desafios que enfrentamos. O Fundo Agbara trabalha para garantir que nossas vozes sejam ouvidas e que as soluções que criamos para nossas comunidades tenham o apoio necessário para florescer. A construção de afrofuturos possíveis depende da nossa liderança e da valorização dos nossos saberes ancestrais, que sempre estiveram na linha de frente das lutas por justiça climática e socioeconômica,” define Aline Odara, diretora executiva do Fundo Agbara.
O Fundo Brasil promoveu o painel “Trabalhadores Liderando no Clima: Brasil e Estados Unidos”, que reuniu lideranças sindicais dos dois países para discutir como os trabalhadores podem atuar de maneira mais intensa nas discussões sobre a crise climática. O evento foi realizado em parceria com Climate Jobs National Resource Center, Climate Jobs Institute, DIEESE, Solidarity Center e o projeto Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno, gerido pelo Fundo Brasil.
“Trabalhadoras e trabalhadores são intensamente afetados pelas mudanças climáticas, e ajudar a garantir que suas vozes sejam ouvidas e consideradas nos debates sobre transição justa também é nosso papel”, analisa Ana Valéria Araújo, diretora executiva do Fundo Brasil.
“A participação do Fundo Brasil na Climate Week e em outros eventos que abordam a urgência da promoção de justiça climática tem como objetivo trazer para o debate da filantropia internacional a relevância de fundos locais como o nosso para fazer os recursos do financiamento climático chegarem a quem reconhecidamente mantém o equilíbrio dos biomas. Sabemos que povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas têm conhecimentos e modos de vida que podem nos apontar caminhos e propostas para enfrentar essa emergência. Em 18 anos, reunimos conhecimento desse campo para garantir que esses recursos cheguem aonde precisam, e que façam a diferença efetivamente”, completa.
A potência da atuação em rede em espaços como este é destacada por Jonathas Azevedo como uma força a ser explorada na incidência pela ampliação de recursos para a sociedade civil:
“O que eu pude observar é a potência enorme dessas soluções climáticas locais, que muitos atores do Sul Global já vêm promovendo nos seus diversos contextos. Como a própria iniciativa Comuá pelo Clima, que conseguiu mapear mais de cem soluções climáticas locais cocriadas e/ou financiadas por membros da Rede, abarcando populações, biomas e temáticas tão caras e urgentes, como adaptação climática.”
Jonathas observa que isso também transparece em outras experiências de atores do Sul Global, como os membros da Alianza de Fondos del Sur, da Adeso, de fundos territoriais como o Podáali, que também estavam presentes, evidenciando que já existem as soluções, e que não é preciso inventar a roda.
“O que é necessário agora é que esses grandes financiadores e tomadores de decisão direcionem os recursos necessários de uma maneira flexível, em confiança, para que essas soluções alcancem seu potencial cada vez maior.”