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Entrevista: Jonathas Azevedo

Entrevista: Jonathas Azevedo

Foto: Rede Comuá

Jonathas Azevedo, assessor de programas da Comuá, se prepara para assumir a diretoria executiva da Rede em outubro deste ano. Em fase final de um processo cuidadoso de transição com Graciela Hopstein – que se despede da direção da Comuá em setembro – Jonathas reconhece o crescimento conquistado nos últimos anos, fruto do trabalho de sua antecessora, e destaca a importância de celebrar as conquistas, mas segue alerta aos desafios do caminho pela frente, que incluem o crescimento da extrema direita e os ataques à sociedade civil e à democracia, como também cortes expressivos de financiamento às agendas de justiça social e de direitos humanos.

Ao mesmo tempo, diante desse cenário, Jonathas destaca uma oportunidade de fortalecimento de redes de solidariedade e de articulações, especialmente entre organizações do Sul Global, e de trocas sobre estratégias de resistência. Como também a realização do G20 e da COP 30 no Brasil, que enxerga como uma janela de oportunidade para promover as práticas de filantropia comunitária e de justiça socioambiental.

“Uma pergunta que me guia é “como posso ser um bom ancestral?”. E ela vai seguir me orientando nessa nova fase. Em breve, assumo esta nova posição com muita humildade, respeito e honrando o que foi construído e conquistado pela gestão da Graciela, que tanto se dedicou à Rede e com quem pude aprender muito nesses últimos dois anos e meio, e pelo trabalho incansável das organizações membro para garantir que os recursos cheguem às comunidades e territórios. Sigo firme na missão de fortalecer a filantropia comunitária e de justiça socioambiental, confiante do seu papel na defesa da nossa democracia e no combate às desigualdades e injustiças. A jornada não vai ser fácil, mas sei que não caminho sozinho”.

Como você avalia o lugar que a Rede Comuá ocupa hoje junto aos ecossistemas filantrópicos nacional, regional e internacional?

Nesses últimos anos, como assessor de programas, tive a oportunidade de representar a Rede em diferentes fóruns, inclusive regionais e internacionais. E algo sempre muito presente nessas experiências é a grande curiosidade e interesse das pessoas em conhecerem mais sobre o trabalho da Rede e de seus membros. É uma inspiração para muitas organizações, de fato. Nesse sentido, vejo que a Rede tem ocupado um lugar de referência no campo da filantropia comunitária e de justiça socioambiental. E chegar a esse lugar não foi fácil, em especial no Brasil, com sua filantropia ainda bastante conservadora e que contribui muito pouco para a luta por direitos. Então, ocupar esse lugar é sobre também resistir, em um contexto bastante adverso no que se refere ao apoio à sociedade civil. O que alcançamos até hoje é resultado de muitos anos dos esforços de incidência, que precisam ser celebrados, mas é também um recado de que temos um caminho longo pela frente.

Como assessor de programas, você contribuiu para o crescimento da Rede de um lugar muito estrutural. Como vê o período próximo em termos de manutenção desse lugar e mesmo de crescimento?

Nos últimos anos, pude acompanhar marcos importantes na história da Rede: o seminário de 10 anos, o lançamento do Programa Saberes, a primeira edição do Mês da Filantropia que Transforma, a mudança de nome e marca, a formalização… Acompanhei também a chegada de novos membros. E tudo isso em momentos complexos do país: pós-pandemia, final do governo Bolsonaro… Fico muito feliz e honrado de ter contribuído, em alguma medida, para o fortalecimento da nossa estratégia de incidência. Com essas bases já mais consolidadas e, agora, como uma organização formalizada, é preciso seguir trabalhando para garantir a sustentabilidade desses esforços, porque ainda há espaço para a importância e o papel político da Rede crescerem mais. Como costumamos falar no âmbito da Aliança Giving for Change, da qual a Rede faz parte, atores e atrizes da filantropia comunitária e da sociedade civil estão construindo “um sistema emergente”, sob outras bases, sob outros princípios, que não os do sistema mais tradicional de desenvolvimento internacional e da filantropia. As práticas da filantropia comunitária e independente já trazem, assim, importantes pistas de como esses futuros alternativos podem ser. É uma construção que toma tempo, mas tenho plena certeza que a Comuá, junto a seus membros, ainda tem muito a contribuir nesses debates.

Quais desafios e oportunidades você projeta para a Rede em sua gestão?

A autocratização em que vivemos hoje, com o crescimento de grupos de extrema direita e ataques contra a sociedade civil e a democracia, é um dos principais desafios, sem dúvidas. Esse contexto impacta diretamente o trabalho dos nossos membros, que estão financiando organizações, movimentos, coletivos e lideranças da sociedade que estão na linha de frente da defesa da democracia e da luta por direitos. Nesse sentido, a Rede é um importante espaço de articulação e organização política entre membros, de troca, de apoio, como vimos durante o governo Bolsonaro e a pandemia. Fortalecer essa comunidade vai ser cada vez mais necessário.

Outro desafio, também ligado em certa medida a esse contexto político de redução do espaço cívico e de ascensão de governos de extrema direita, é a questão do financiamento. Já temos observado cortes expressivos do financiamento da cooperação e da filantropia internacional à agendas de justiça social e direitos humanos. E isso impacta diretamente o trabalho dos membros da Rede, cujo financiamento é principalmente de origem internacional. Somam-se a isso as tentativas recorrentes de grupos de extrema direita buscando impor mais barreiras à chegada de financiamento internacional para a sociedade civil, a criminalização burocrática, campanhas de desinformação, negacionismo científico entre outras estratégias que estes grupos lançam mão.

Ao mesmo tempo, vejo que esse cenário traz uma oportunidade de fortalecimento de redes de solidariedade e de articulações, especialmente entre organizações do Sul Global. Já participamos ativamente do movimento #ShiftThePower e de outras redes e articulações internacionais, e as trocas sobre estratégias de resistência tendem a crescer nos próximos anos. Além disso, com os olhares no Brasil por conta de grandes eventos como G20 este ano, e COP 30 e reunião do BRICS no ano que vem, há uma janela única de oportunidade para promover as práticas de filantropia comunitária e de justiça socioambiental.

Finalmente, estamos iniciando um novo ciclo de planejamento estratégico. Reunir os 18 membros da Rede neste processo vai ser fundamental para pensarmos os próximos anos e onde queremos chegar juntes como rede.

O que você, Jonathas, pessoalmente, traz para essa nova fase da Rede?

Uma pergunta que me guia é “como posso ser um bom ancestral?”. E ela vai seguir me orientando nessa nova fase. Em breve, assumo esta nova posição com muita humildade, respeito e honrando o que foi construído e conquistado pela gestão da Graciela, que tanto se dedicou à Rede e com quem pude aprender muito nesses últimos dois anos e meio, e pelo trabalho incansável das organizações membro para garantir que os recursos cheguem às comunidades e territórios. Sigo firme na missão de fortalecer a filantropia comunitária e de justiça socioambiental, confiante do seu papel na defesa da nossa democracia e no combate às desigualdades e injustiças. No mais, trago comigo muita vontade, cuidado, escuta. Trago também bom humor, curiosidade, compromisso, música. A jornada não vai ser fácil, mas sei que não caminho sozinho.

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