Por Bianca L Avancini, Larissa Boing, Roberto Vilela, Semíramis Biasoli, Simone Amorim, Willian Narzetti
Dentre as diversas práticas de filantropia existentes no cenário brasileiro, as arquiteturas colaborativas têm se fortalecido como caminho para o desenvolvimento de territórios, a partir de uma perspectiva que assume como horizonte a construção de justiça socioambiental. Forjado a partir da práxis de diversos atores sociais, especialmente organizações e coletivos que compõem a sociedade civil organizada, trata-se de um campo em construção. Por isso mesmo, mostra-se importante aprofundar as reflexões sobre esse modo de praticar e pensar a filantropia, tendo como eixo estruturante a dimensão do território.
Assumindo a experiência como um campo de construção de conhecimentos empíricos, técnicos e políticos, foram identificadas três dimensões estratégicas para reflexão, apresentadas em seminário e discutidas com o público da oficina, por meio da metodologia participativa conhecida como world café. Algumas das principais contribuições, reflexões e aprendizados são registrados neste texto.
Produção e disseminação de conhecimento: a experiência do ICOM
Para o ICOM, conhecer profundamente o território é condição para a definição de estratégias de desenvolvimento comunitário. Assim, há 16 anos o ICOM elabora diagnósticos sociais participativos na região da Grande Florianópolis, visando identificar, em conjunto com a comunidade, áreas prioritárias e desafios para a melhoria da qualidade de vida local.
A metodologia desses diagnósticos, denominados de Sinais Vitais, é inspirada no projeto Vital Signs, realizado por fundações comunitárias do Canadá. Ela propõe uma análise contextualizada, a partir de indicadores disponíveis em bases de dados de institutos de pesquisa, envolvendo a comunidade e especialistas, por meio de oficinas participativas, na discussão e contextualização dos dados levantados. Ao reunir atores envolvidos diariamente com os temas propostos, o processo de elaboração dos diagnósticos também contribui para fortalecer redes de ação de interesse público.
Além disso, utiliza-se uma linguagem simples, de fácil compreensão e visualmente atraente.
Com isso, os Sinais Vitais articulam informações que até então estavam desconexas, em análises contextualizadas que facilitam a compreensão, pautam a imprensa local, subsidiam discussões e a colaboração entre formuladores de políticas públicas, a academia e as organizações da sociedade civil. No ICOM, os resultados dos Sinais Vitais impulsionam o desenho de projetos e editais específicos para atender aos desafios identificados, além das estratégias de mobilização de recursos para viabilizá-los.
Mobilização de recursos: a experiência do FunBEA
A contribuição do FunBEA para fortalecer o campo da filantropia está ancorada nos princípios da Educação Ambiental crítica, que defende que estar no chão do território junto às lideranças e coletivos é o que possibilita a sustentabilidade das ações. É também o campo que acredita que os indivíduos são fortalecidos com processos formativos emancipatórios capazes de criar um ambiente de construção do conhecimento, entendimento da conjuntura política e ação coletiva, contribuindo com o empoderamento e a emancipação da população para buscar o que é necessário para uma vida digna e um ambiente ecologicamente equilibrado.
Tais princípios orientam também as ações de mobilização de recursos financeiros locais, como a campanha de doação de 2022, apresentada na mesa temática. A campanha é composta por quatro estratégias: 1a) Arranjo colaborativo no território – Encontros mensais com membros dos coletivos apoiados na perspectiva de formá-los, a partir da experiência do FunBEA na temática da mobilização de recursos, e no exercício da práxis durante a campanha; 2a) Construção de materiais de comunicação com foco no financiador. Neste caso, houve o estímulo à delimitação e/ou fortalecimento da identidade de cada coletivo, bem como respeito e diálogo sobre posicionamentos políticos; 3a) Mapeamento e prospecção com a definição de um recorte territorial específico, o Litoral Norte de São Paulo, que é uma das faixas de Mata Atlântica preservada mais importantes do país, além da construção conjunta com os coletivos e com a comunidade de aprendizagem (ICOM e Tabôa) das táticas de prospecção; 4a) Doação baseada em confiança. Ou seja, em conjunto são definidas as prioridades, e os coletivos ficam com autonomia na autogestão e uso do recurso. Além de uma prestação de contas mais democrática e educadora.
Engajamento e protagonismo comunitário: a experiência da Tabôa
Na Tabôa, o desenho e a gestão de arquiteturas colaborativas para ação coletiva partem do reconhecimento do território como potência e assumem a confiança como princípio. Nessa perspectiva, a filantropia colaborativa com foco territorial é baseada na premissa de que as comunidades devem ser protagonistas das mudanças, definindo suas agendas prioritárias e participando das decisões sobre os recursos locais.
Desde 2014, a Tabôa atua no fortalecimento da sociedade civil em Serra Grande e entorno, no sul da Bahia, com a democratização do acesso a recursos financeiros, conhecimentos e estímulo à cooperação. Uma das estratégias utilizadas tem sido o fortalecimento de instâncias de participação coletiva, a exemplo do Comitê Comunitário, por meio do qual representações da comunidade participaram da decisão sobre quais iniciativas deveriam receber apoio nas chamadas de projetos, avaliando, assim, as prioridades para o fortalecimento do território.
Outra estratégia que está em curso é a estruturação de um fundo de desenvolvimento comunitário, a partir do fomento à cultura de doação – que já se constitui numa prática da comunidade – para mobilizar recursos com foco no fortalecimento de iniciativas locais. O que essas e outras experiências nos mostram é que a filantropia colaborativa deve contribuir para fortalecer as autonomias de lideranças, associações e demais organizações de base comunitária e seu engajamento na construção de respostas coletivas aos problemas públicos.
Uma agenda em construção (e em disputa)
No diálogo promovido com os participantes da mesa temática, alguns pontos surgiram como importantes para fortalecimento da filantropia colaborativa com foco na construção de justiça socioambiental nos territórios. Dentre estes, pode-se destacar o aprofundamento dos processos de escuta comunitária, o fortalecimento de uma comunicação mais acessível e pedagógica, a descentralização da captação dos recursos e a ampliação do trabalho em rede.
Diante da diversidade de modos de se pensar e fazer filantropia, mostra-se importante reafirmar princípios, valores e estratégias que conformam as práticas colaborativas pautadas numa perspectiva emancipatória do território. É fundamental, nesse sentido, fortalecer os espaços de conexão e diálogos entre atores desse campo, a exemplo da comunidade de aprendizagem citada neste artigo, para que possamos coletivamente avançar na construção de uma prática que, cada vez mais, amplifique as vozes do território, a partir do reconhecimento de que pessoas, coletivos e organizações locais são sujeitos de suas próprias histórias.
Larissa Boing: Gerente de projetos e de Fundos de Investimento Social do ICOM. Mestra em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Santa Cruz (UESC/BA), especialista em Dinâmica de Grupos, atua com a gestão de programas destinados a reduzir as desigualdades sociais desde 2008.
Roberto Vilela: Diretor Executivo da Tabôa Fortalecimento Comunitário. Formado em Administração de Empresas e mestre em Administração Pública e Governo pela EAESP-FGV, é especialista em microcrédito e microfinanças. Atuou como consultor de governos municipais, OSCIPs e bancos privados para criação e desenvolvimento de organizações e programas.
Semíramis Biasoli: Secretária Geral do FunBEA. Doutora em Ciências, com ênfase em Políticas Públicas de Educação Ambiental pelo PPGI Ecologia Aplicada pela ESALQ-USP (2015), graduada em Ciências jurídicas pela PUCCAMP (1993), pós-graduada em Gestão Ambiental pela UNICAMP (2003).
Simone Amorim: Gerente de Comunicação da Tabôa Fortalecimento Comunitário. Mestra em Desenvolvimento e Gestão Social e graduada em Comunicação Social, ambos pela UFBA, atua no campo da garantia de direitos e fortalecimento da sociedade civil, com ênfase em gestão social, comunicação estratégica, processos participativos e de aprendizagem, advocacy.
Willian Narzetti: Gerente Executivo do ICOM. Doutor e Mestre em Administração pela ESAG/UDESC. Pós-graduado em Gerenciamento de Projetos. Economista pela UFSC. Mais de 15 anos de experiência em desenvolvimento comunitário, gerenciando projetos e integrando diretorias de organizações da sociedade civil no Brasil e em Guiné-Bissau.