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Filantropia, investimento social e colaboração: a importância da criação de novas arquiteturas de atuação na busca por mais recursos e mais transformação

Por Erika Saez, assessora do GIFE, membro do comitê coordenador do Movimento por uma Cultura de Doação, pesquisadora e autora do livro Filantropia Colaborativa; e Graziela Santiago, coordenadora de conhecimento do GIFE

Nas últimas décadas o ecossistema da filantropia e do investimento social privado no Brasil evoluiu, ampliou-se e desenvolveu-se. Avançamos na criação e adoção de práticas e capacidades. O campo expandiu-se e diversificou-se, incorporando mais e novos atores de perfis variados.

Ao mesmo tempo, os desafios públicos que enfrentamos como sociedade também se ampliaram e aprofundaram. Novos temas somam-se a desafios seculares e o senso de urgência demanda novas abordagens, em maior consonância como um mundo altamente globalizado e interconectado, como este ano tornou tão evidente. A ação global ressoa na dimensão local de formas variadas, nos convocando a encontrar novas respostas para solucionar questões históricas relacionados as desigualdades e a busca por um mundo mais sustentável e mais digno para todes que nele vivemos.

Tudo isso só nos reafirma que os avanços e conquistas do setor precisam ser antes de tudo estímulos que reforçam o sentido e a importância de pensarmos novas camadas e etapas de construção para a ação coletiva – na filantropia e na sociedade de forma ampla – que estejam cada mais sintonizadas com as transformações de um mundo complexo que requer abordagens sistêmicas e, portanto, novos paradigmas de atuação.

Nessa busca, uma das fronteiras da nossa ação coletiva que surge como prioridade é a ampliação da nossa capacidade de colaboração.

E quando o foco é a ação da filantropia e do investimento social e suas contribuições para agenda pública, a ideia de filantropia colaborativa tem estado cada vez mais presente: a colaboração entre atores da filantropia – doadores ou gestores de recursos filantrópicos – em relação à mobilização, coordenação, alocação e/ ou gestão de recursos financeiros privados para a produção de bem público é a definição por meio da qual o GIFE vem pautando o conceito de filantropia colaborativa.

Ainda que a filantropia colaborativa tenha seus limites e nem sempre seja a melhor resposta, a ampliação de iniciativas com arquiteturas colaborativas de atuação entre doadores e/ou organizações de investimento social, tem o potencial de agregar muitos benefícios ao ecossistema:

  • Ampliação do volume de recursos privados para produção de bem público, podendo possibilitar, por meio de novas arquiteturas, que doadores (pessoas ou organizações) com menos recursos e com graus muito diferentes de engajamento no universo filantrópico se somem a iniciativas novas ou existentes.

  • Mobilização de novos atores/ doadores, pela criação de mecanismos criativos que estimulem a doação em situações pouco prováveis, como arredondamento de centavos no caixa do supermercado, comprando uma revista no momento de pagar os medicamentos na farmácia ou campanhas de doações via financiamento coletivo (crowdfunding), com muita autonomia para seus idealizadores e possibilidade de divulgação descentralizada e participativa.

  • Aumento da eficiência na gestão dos recursos, uma vez que custos envolvidos podem ser compartilhados entre os doadores, em vez de replicados, como muitas vezes ocorre com o desenvolvimento de iniciativas isoladas.

  • Aumento da eficiência na alocação e distribuição dos recursos, já que a gestão de forma compartilhada requer o desenho e a priorização de estratégias comuns, otimizando os recursos, evitando duplicidade de ações e economizando o tempo de outros parceiros envolvidos no desenvolvimento e implementação.

  • Ampliação do volume de recursos para novas agendas (desafios coletivos contemporâneos) ou agendas que hoje têm menos atenção e recebem menos recursos filantrópicos. Arquiteturas e formatos de filantropia colaborativa possibilitam que muitas pessoas (com potencial de doação variado) e organizações (inclusive de pequeno e médio porte) possam se juntar em torno de um tema comum que conta com poucos financiadores de grande porte atuando e, ainda assim, criar mecanismos de apoio que, ao incluir um número amplo de doadores, somem recursos expressivos para contribuir com a causa comum, possibilitando que novas ações sejam desenvolvidas e aumentando a contribuição da filantropia e o potencial de impacto na agenda.

  • Incorporação e aprimoramento de estratégias de grantmaking, contribuindo para uma filantropia e um ISP mais doadores (e menos executores de seus próprios projetos), fortalecendo a sociedade civil organizada, as políticas públicas ou outros atores e parceiros importantes. Isso porque arquiteturas de filantropia colaborativa, na maioria dos casos, pressupõem o apoio a terceiros e não a criação e execução de projetos próprios.

  • Estímulo ao desenvolvimento de formas mais participativas de grantmaking, contribuindo com a distribuição de poder e com o engajamento e o protagonismo dos públicos e/ ou comunidades apoiadas e da sociedade civil organizada na decisão sobre a alocação dos recursos. Isso porque a ampliação de atores envolvidos nas iniciativas e, portanto, nas esferas de tomada de decisão, estimula e abre espaço para uma maior reflexão também sobre aspectos ligados à escolha de projetos e organizações que recebem financiamento.

  • Estímulo e possibilidade de criação de novos fundos temáticos, regionais ou comunitários, ampliando o ecossistema.

Entendendo que o campo da filantropia precisa caminhar na direção de se desenvolver em todos os aspectos acima mencionados, o GIFE lançou a publicação Filantropia Colaborativa que se aprofunda nesse conceito e nos seus desdobramentos práticos, incluindo desde uma análise da complexidade do mundo que vivemos e seus desafios, passando pelas razões pelas quais precisamos colaborar mais e melhor até o mapeamento de diversos casos práticos. No livro, as iniciativas estão organizadas em 3 grupos: 1. espaços colaborativos de coinvestimento, 2. espaços de mobilização e gestão de recursos filantrópicos e 3. fundos filantrópicos.

Enquanto o grupo 1 reúne formatos em que existe uma intencionalidade deliberada dos seus participantes em se articular e colaborar por meio de coinvestimento e focados, principalmente, na coordenação, alocação e/ ou gestão dos recursos, o grupo 2 inclui formatos cujo foco primordial é mobilizar recursos de forma colaborativa, ampliando a base de doadores, muitas vezes promovendo o engajamento da população em geral (ou segmentos dela) na doação, ainda que não exclusivamente. São, assim, organizações e estratégias criadas a partir do desenvolvimento de novas arquiteturas para mobilizar recursos coletivamente para ações de interesse público.

Por fim, no grupo 3 estão os fundos filantrópicos, formato que pode combinar intencionalidade na gestão e alocação dos recursos de forma colaborativa, mas também na mobilização de recursos financeiros por meio da colaboração, ou seja, engajando um amplo número de doadores de perfis diversos.

No âmbito da filantropia colaborativa, são chamados de fundos os formatos que abrigam uma combinação de recursos filantrópicos e de investimento social, agrupados sob um mandato definido e uma governança estabelecida e que, assim, combinam recursos de fontes diversas para o apoio a iniciativas de interesse público.

Ao utilizar tal formato, muitas vezes, a iniciativa incorpora a palavra fundo em seu nome ou descrição. Em outros casos, uma iniciativa chamada de aliança – presente no grupo 1 – ou uma organização gestora de recursos filantrópicos – identificada no grupo 2 – pode criar fundos a partir dos recursos mobilizados e apresentá-los publicamente, também fazendo uso dessa palavra. Ainda que na filantropia nem todos os fundos sejam iniciativas de filantropia colaborativa, pois os recursos podem ser originários de uma única fonte, é bastante comum que a origem de recursos de um fundo envolva diferentes doadores que aportam seus recursos também por saberem que se somarão aos de outros investidores sociais.

Um fundo pode ainda ser constituído formalmente, sendo uma organização em si, ou estar abrigado em uma organização. Pode ser um fundo perene ou um fundo com um prazo determinado de atuação. Pode ser focado em uma temática, ter focos mais amplos ou muito específicos, ser focado em um território com multiagenda, ou ainda ser uma combinação de foco geográfico com uma agenda específica.

Independente da forma assumida, os fundos filantrópicos têm uma enorme oportunidade para inovar na elaboração de arquiteturas de filantropia colaborativa e serem cada vez mais eficazes para mobilizar recursos. O formato de fundo facilita a colaboração e o cofinanciamento entre as partes interessadas, oferecendo aos doadores um meio simples para promover o impacto de seus investimentos sociais em alinhamento com suas agendas temáticas.

Temos visto a criação de fundos crescer, ganhar espaço e relevância no setor como um modelo para reunir recursos expressivos dirigidos a causas ou territórios bem definidos. E oportunidades para que esse crescimento siga se ampliando não faltam, tanto a partir da criação de novos fundos como a partir de fundos existentes que se apropriam de forma mais profunda da narrativa e das estratégias que a filantropia colaborativa pode proporcionar. Que essa trajetória de crescimento possa seguir avançando e trazendo, cada vez mais, sentido público para a ação de recursos privados dirigidos a endereçar nossos maiores desafios.

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