Por Henrique Silveira
A pandemia da COVID-19 escancarou e aprofundou a desigualdade no acesso à direitos, serviços e infraestrutura urbana nas periferias e favelas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. No momento em que o poder público era mais necessário, a sociedade assistiu à descoordenação, descaso e negligência. Com a população à própria sorte, o trabalho de ONGs, coletivos e organizações comunitárias foi fundamental para minimizar os efeitos da crise sanitária e social que tem impactado de maneira severa a população mais pobre.
As redes de solidariedade ativadas nesse contexto têm viabilizado a distribuição de cestas básicas, materiais de higiene e máscaras, além de realizar campanhas de conscientização, combate a notícias falsas e outras formas de apoio. São organizações comunitárias, ONGs, coletivos e lideranças sociais que conhecem a realidade dos bairros e favelas e que se articulam tanto para a resolução de problemas locais, quanto para a cobrança de políticas públicas. Fortalecer e apoiar o trabalho destes grupos deve ser prioridade durante e após a crise.
Também é fundamental destacar a atuação da filantropia durante a crise, que mobilizou recursos de diversas fontes para apoiar diferentes iniciativas para o enfrentamento da pandemia. O ecossistema filantrópico brasileiro é muito diverso, e a Rede de Filantropia para Justiça Social (RFJS), ator pertencente a esse campo, agrega diferentes fundos independentes, organizações doadoras (grantmakers), atua como o propósito de promover e diversificar uma cultura filantrópica no Brasil que garanta e amplie os recursos para a justiça social com foco em direitos humanos, raciais, de gênero, socioambientais e desenvolvimento comunitário.
A Casa Fluminense faz parte da Rede e busca desenvolver seu programa de apoio através do intercâmbio de experiências com os demais membros. Durante a pandemia COVID-19, a Rede foi um ponto de suporte e articulação para as organizações membros trocarem informações sobre estratégias de apoio emergencial, desafios comuns na gestão dos projetos e produção de conhecimento compartilhado para o enfrentamento da crise.
Em 2020, o Fundo Casa Fluminense lançou, também com o apoio da Rede. o Edital Agenda Rio 2030. Esta chamada visou fortalecer ações comunitárias e o monitoramento de políticas públicas promovidos por coletivos, movimentos e organizações da periferia metropolitana do Rio de Janeiro. A chamada apoiou 20 iniciativas, sendo 15 projetos de 10 mil e 5 projetos de 7 mil reais, totalizando 185 mil em doação direta.
A diversidade das iniciativas apoiadas reflete as diferentes formas de atuação que os grupos locais desenvolvem para dar respostas aos problemas estruturais e emergenciais vivenciados nas comunidades. De forma breve, vou apresentar 4 iniciativas apoiadas e suas estratégias de atuação. Em seguida, os aprendizados da Casa Fluminense para o desenvolvimento de sua estratégia de grantmaking.
Cozinha Sem Medo – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) – Localizada em Santa Luzia, São Gonçalo, a cozinha atuou diretamente no eixo de alimentação e gestação, direcionadas à população do bairro. Para isso distribuiu, em média, 400 quentinhas semanalmente aos domingos e no final de 2020 distribuiu 30 kits às gestantes que são acompanhadas pelo movimento. Além disso, consolidou a parceria com o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que forneceu legumes, verduras e frutas durante todos os domingos, de outubro a dezembro de 2020.
Projeto SocioEducacional e Desenvolvimento Cultural SAAF – Localizado na Vila Kennedy, zona oeste do Rio de Janeiro, as coordenadoras da iniciativa identificaram que as crianças da comunidade possuíam muita dificuldade na leitura e na compreensão básica dos textos. Os responsáveis das crianças, a maioria mães, também tinham dificuldades com a leitura e não conseguiam ajudá-las nas tarefas escolares, o que piorou no contexto da pandemia e das aulas on-line. Diante do cenário, elas doaram livros infanto-juvenis e fizeram o acompanhamento das crianças com oficinas literárias e de leitura coletiva com seus familiares. Foram entregues 250 livros para 50 crianças, o que impactou indiretamente outras 100 crianças. Um diferencial do projeto foi a temática racial para todos os livros entregues, estimulando maior reflexão das famílias sobre o mês da Consciência Negra.
Fórum Popular Permanente de Japeri – A ideia de construir uma agenda de políticas públicas para o município de Japeri, na Baixada Fluminense, teve início no Curso de Políticas Públicas organizado pela Associação Mobiliza Japeri com apoio da Casa Fluminense e do Fundo Casa Socioambiental. O Edital Agenda Rio 2030 contribuiu para viabilizar os debates, a elaboração do documento, sua diagramação e impressão. O resultado final foi a publicação da “Agenda Japeri 2030: Japeri mais humana e sustentável” e a impressão de 7 mil cópias. O grupo entregou a agenda para a prefeita do município, os secretários municipais, vereadores, além de encontros com a população e organizações locais.
Instituto Santa Cruz Sustentável – O objetivo da proposta era a formalização da Pessoa Jurídica com a missão de implementar a Agenda Santa Cruz 2030, movimento da sociedade civil local, iniciado em 2017, e que deu origem a um documento, construído de modo participativo com a rede do território. Com a institucionalidade foi possível estruturar e consolidar a política organizacional, o organograma e contratar, ainda que de modo pontual, prestadores de serviços para as áreas administrativas, de projetos e comunicação. A abertura da CNPJ do Instituto Santa Cruz Sustentável propiciou a parceria com o British Council, no edital de meio ambiente relacionado a COP 26. Através do Instituto recém-criado, foi transferido ao Ecomuseu de Sepetiba, membro da Rede Santa Cruz 2030, recurso para o fomento das atividades socioambientais no entorno da Baía de Sepetiba.
O contato regular da equipe da Casa Fluminense com as organizações apoiadas e a observação das tendências e demandas colocadas pela pandemia do COVID-19, culminou na reflexão sobre as linhas de apoio que o Edital Agenda Rio 2030, do Fundo Casa Fluminense, deveria adotar em 2021. Foram definidas três linhas: (1) Estruturação de organizações da sociedade civil, com apoio para formalização e abertura de CNPJ; (2) Elaboração e defesa de Agendas Locais de políticas públicas para os territórios da periferia; (3) Produção de Soluções Locais pelas próprias organizações, com foco em projetos de segurança alimentar, produção cultural e geração de trabalho e renda. A Casa Fluminense acredita que essas são linhas estratégicas para fortalecer organizações na periferia da metrópole do Rio e vai reforçar sua atuação nesta direção.