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Fortalecer direitos trans em tempos de erosão das democracias

Fortalecer direitos trans em tempos de erosão das democracias

Foto: Patrick Perkins / Unsplash

Por: Maria Clara Araújo dos Passos*

Em janeiro deste ano, testemunhei a realização da primeira edição da Marsha Nacional pela Visibilidade Trans, realizada em Brasília. Organizações como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) se uniram e organizaram uma intervenção política e cultural, que foi memorável para muitas(os). A tônica durante todo o evento, da concentração às falas finais, giraram em torno do quão importante é reconhecer que não há democratização sem o reconhecimento do direito à identidade de gênero. Diante de discursos no Brasil e mundo afora que alocam “direitos trans” e “democracia” como pólos distintos, a Marsha Nacional nos ensinou que apoiar os direitos de travestis e transexuais é essencial em um momento histórico em que as democracias de todo o mundo se veem diante do crescimento do autoritarismo.

Alguns meses depois, em julho, tive a oportunidade de participar da Conferência Global Trans, organizada por GATE – Global Action for Trans Equality em Munique (Alemanha). Novamente me deparei com o papel essencial que organizações trans estão desempenhando em diferentes continentes na luta contra a erosão das democracias. Diante de um cenário transnacional no qual o antagonismo aos nossos direitos é produzido e incitado para fins de mobilização política e eleitoral, as vozes que compuseram a Conferência foram tão enfáticas quanto as lideranças brasileiras: o ataque ao direito à autodeterminação não atinge apenas pessoas trans, devendo ser uma preocupação ética e política de todas(os).

Esse foi o contexto que provocou, permeou e contribuiu para a realização da pesquisa “Cadê o aqué? Mapeando ausências, (des)encaixes e possibilidades entre as organizações de travestis e mulheres transexuais e a filantropia no Brasil”, no âmbito do Programa Saberes da Rede Comuá. Pesquisas já vinham sendo desenvolvidas em nível internacional sobre o estado do financiamento para organizações trans, mas, no caso do Brasil, carecíamos de um estudo local que buscasse entender quais são as lacunas, negociações e potencialidades que envolvem essas relações ainda em construção. Ao focar nas organizações lideradas ou representadas por travestis e mulheres transexuais, busquei dar continuidade a uma agenda de pesquisa que venho desenvolvendo nos últimos anos.

O aniversário de vinte anos do Dia da Visibilidade Trans, instituído em 2004 no Brasil a partir da incidência de ativistas travestis e mulheres transexuais, coloca uma tarefa necessária: é preciso perguntar como chegamos até aqui, em que ponto estamos e para onde queremos ir.

A atual conjuntura global tem nos mostrado que as políticas antitrans estão sendo financiadas por coalizões neoconservadoras que se aglutinaram com o propósito de retroceder o reconhecimento do direito à identidade de gênero. Perante esse contexto, emerge a necessidade de investirmos no estabelecimento de novas alianças que fortaleçam as resistências lideradas pela população trans.

Pessoas trans estão sendo expressivamente atacadas pelo avanço global do autoritarismo, mas são uma das populações menos apoiadas quando a filantropia busca fortalecer a sociedade civil à procura de alternativas.

A partir de dados quanti e qualitativos, a pesquisa desenvolvida como parte do Programa Saberes faz parte de uma ação coletiva em nível local, regional e internacional que busca consolidar uma incidência liderada por pessoas trans no interior dos ecossistemas filantrópicos. Como afirmei em artigo publicado na Alliance Magazine, os movimentos de pessoas trans convidam que a filantropia possa incorporar uma lente trans-informada. No caso do Brasil, essa seria uma lente travesti, que levasse ao entendimento que organizações lideradas ou representadas por travestis e mulheres transexuais precisam ser apoiadas com recursos substanciais e de longo prazo, flexíveis e baseados em confiança. O produto final da pesquisa será lançado em breve, com a expectativa de provocar ações mais robustas por parte da filantropia brasileira. 

  1. American Jewish World Service; Astraea Lesbian Foundation for Justice; Global Action for Trans Equality. (2017). The State of Intersex Organizing (2nd) edition and The State of Trans Organizing (2nd edition). GPP. Disponível em: https://globalphilanthropyproject.org/2017/10/31/the-state-of-intersex-organizing-2nd-edition-and-the-state-of-trans-organizing-2nd-edition/. Acesso em: 25 out. 2024.
  2. Maria Clara Araújo dos Passos. (2022). Pedagogias das Travestilidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
  3. Maria Clara Araújo dos Passos. (2024). ‘Meu tempo é agora’: Funding trans rights in times of de-democratisation. Alliance Magazine. Disponível em: https://www.alliancemagazine.org/blog/meu-tempo-e-agora-funding-trans-right-in-times-of-de-democratisation/. Acesso em: 25 out. 2024.


*Maria Clara Araújo dos Passos é pedagoga (PUC-SP) e mestranda em Sociologia da Educação (USP). É autora de Pedagogias das Travestilidades (Civilização Brasileira, 2022). É pesquisadora do Programa Saberes (2024), da Rede Comuá, onde desenvolveu a pesquisa “Cadê o aqué? Mapeando ausências, (des)encaixes e possibilidades entre as organizações de travestis e mulheres transexuais e a filantropia no Brasil”. Atualmente é a Movement Partnerships Coordinator do Black Feminist Fund.

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