Para Ana Valéria Araújo, superintendente da instituição, filantropia deve apoiar organizações que defendem direitos trabalhistas e o cumprimento de garantias constitucionais
Por Rafael Cistati
Quase metade dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros vivem, hoje, na informalidade. São pessoas que não contribuem para a previdência social e que, por isso, não têm acesso a direitos como o seguro desemprego ou auxílio doença. Os informais representam mais de 40% da força de trabalho: uma parcela que cresceu nos últimos anos, especialmente depois de 2017, quando foi aprovada a reforma trabalhista. “O argumento era de que a reforma geraria empregos. Não gerou”, diz Ana Valéria Araújo, superintendente do Fundo Brasil de Direitos Humanos. “Hoje, 40% dos trabalhadores brasileiros vendem sua força de trabalho sem ter acesso a direitos”.
No último dia 13 de abril, Ana Valéria participou da mesa de discussão “Inclusão produtiva e promoção do trabalho digno” durante o 12º Congresso do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – Gife. Realizado em São Paulo, o evento refletiu sobre o papel da filantropia no combate às desigualdades.
Além de Ana Valéria, a mesa foi composta por Maitê Lourenço, fundadora da BlackRocks; Nadja Brandão, diretora executiva na {reprograma} e Rafael Gioielli, gerente geral no Instituto Votorantim. A mediação da conversa ficou a cargo de Vivianne Naigeborin, superintendente da Fundação Arymax.
“Entendemos a inclusão produtiva como a inserção de pessoas em vulnerabilidade no mundo do trabalho”, explicou Vivianne na abertura do debate. Trata-se de um universo que, segundo ela, passa por um processo de acelerada transformação.
Nos últimos anos, ora por força de alterações legais, ora pela adoção de novas tecnologias, as relações de trabalho no Brasil mudaram. De maneira geral, o cenário se deteriorou. “Vivemos um momento de modernização das relações de trabalho em que os direitos trabalhistas são apontados como barreiras ao crescimento econômico”, apontou Ana Valéria durante o evento.
O resultado foi a proliferação de ocupações precárias e mal remuneradas. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que, para receber o equivalente a um salário mínimo, entregadores de plataformas digitais precisam manter jornadas que ultrapassam as 65h semanais. “Não raro, esses trabalhadores estão em cima de uma motocicleta. Estão cansados. Caso se envolvam em um acidente, ele não é considerado um acidente de trabalho”, disse Ana Valéria. “É disso que se trata quando falamos de vulnerabilidade”.
Na leitura da superintende do Fundo Brasil, frente a tamanha precarização, não é possível falar sobre inclusão produtiva sem falar sobre promoção do trabalho digno: aquele que respeita direitos, é realizado em segurança e resulta em remuneração justa.
Para Maitê Lourenço, da Blackrocks, essa é uma discussão que precisa ser racializada. “Cada vez mais usamos novos termos para mascarar problemas antigos”, disse. “Quando falamos sobre exclusão produtiva, estamos falando sobre racismo”. Viviane, da Arymax, destacou que “o Brasil tem uma história de exclusão sistemática de muitos grupos, que passa pela escravidão e continua no período pós industrialização, valorizando mais a produtividade do que as pessoas”.
Na avaliação dos debatedores, apesar do cenário delicado, é possível reverter esse quadro — e avançar. Ana Valéria acredita que as soluções propostas devem, necessariamente, retomar garantias asseguradas pela Constituição Federal de 1988. “A Carta foi um marco histórico na trajetória de trabalhadores – elevou o direito ao trabalho à condição de direito fundamental”, lembrou a superintendente. Tal conquista foi resultado de anos de mobilização da sociedade civil organizada.
Segundo Ana Valéria, num cenário de deterioração de garantias trabalhistas, cabe à filantropia apoiar organizações que trabalham para promover direitos no campo do trabalho. “Essa é uma tarefa coletiva da sociedade brasileira, de realização de direitos constitucionais”.
É nessa chave que o Fundo Brasil trabalha. Em dezembro de 2022, a instituição lançou o Labora – fundo de trabalho digno. A iniciativa é um esforço de criação coletiva do Fundo Brasil de Direitos Humanos, Laudes Foundation, Fundação Ford e Open Society Foundations. O projeto, com investimento inicial de US$ 8,5 milhões (cerca de R$ 45 milhões), tem como objetivo apoiar e fortalecer a sociedade civil em suas múltiplas frentes de luta por trabalho digno, buscando superar as desigualdades de raça e gênero que estruturam a sociedade brasileira e impulsionando a consolidação de um campo social robusto e autônomo nessa luta. O primeiro edital do Labora foi lançado em dezembro, e deve selecionar 25 organizações que receberão apoios. Os resultados serão divulgados no dia 01 de maio.