Por: Rodrigo Montaldi, gestor de programas do Fundo Casa Socioambiental
Não é novidade que o Fundo Casa já tenha apoiado projetos das comunidades que contenham componentes de comunicação em suas ações e atividades. Mas é a primeira vez que uma chamada específica temática é totalmente focada para Comunicação Comunitária e Popular com a interface dos direitos humanos em assuntos ambientais. E como é da essência do Fundo Casa, essa chamada é resultado de um rico processo de escuta. Para contar um pouco dessa história, vamos resgatar alguns pontos interessantes.
O Fundo Casa é um mecanismo de financiamento que trabalha a partir das premissas da autonomia e profundo respeito aos conhecimentos, à tradição, às escolhas e às propostas de soluções que surgem a partir dos grupos sociais que são o foco da nossa missão. Nós trabalhamos para promover a conservação e a sustentabilidade ambiental, a democracia, o respeito aos direitos e a justiça através de uma tecnologia social que foca em grupos vulnerabilizados e distantes das possibilidades de acessar os recursos disponíveis da filantropia para a justiça socioambiental. Somos um fundo que nasce do movimento ambientalista brasileiro e por essa razão criamos uma rede de confiança que nos conecta com toda a diversidade desse cenário múltiplo.
Ao longo de quase 20 anos de trajetória, o Fundo Casa já apoiou mais de 3500 projetos. Desses, 120 tiveram componentes fortes de comunicação, 70 projetos continham a palavra COMUNICAÇÃO nos títulos dos projetos e 40 tinham como objetivo principal desenvolver ações bem específicas para comunicação.
No início de 2019 notamos o quanto a violência se aproximava da nossa rede de parceiros e apoiadores, e resolvemos começar uma série de conversas e oficinas para tratar de proteção. Nesse riquíssimo processo de escuta, destaca-se a realização de uma oficina com lideranças amazônicas que teve como foco a segurança da comunicação e a segurança física dos territórios; e um encontro estratégico em novembro de 2019 com mais de 50 parceiros dos territórios amazônicos (defensoras e defensores ambientais, advogados populares), fundos e financiadores, organizações de direitos humanos parceiras, entre outros. Esse encontro selou o surgimento do Programa de Defensoras e Defensores de Meio Ambiente e Justiça Climática do Fundo Casa.
Também, resulta desse encontro (e da soma de todo o processo de escuta realizado em 2019), que além de um fundo emergencial de resposta rápida para atender demandas dos defensores ambientais, o Fundo Casa precisava estruturar apoios no campo do acesso à justiça, através do fortalecimento dos coletivos de assessoria jurídica popular, e também fortalecer a pauta da comunicação como estratégia de defesa.
De agosto de 2019 a março de 2024 mais de 280 apoios foram realizados pelo Fundo de Resposta Rápida, um total de mais de R$3,8 milhões de reais doados diretamente para a defesa e proteção de defensoras e defensores de direitos humanos em assuntos ambientais.
Em agosto de 2023, com a co-organização do Fundo Casa, Fundo Brasil de Direitos Humanos, Rede Comuá, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Coletivo Tapajós de Fato, realizamos o encontro: “Rodas de Conversa: Comunicação, Direitos Humanos e Justiça Climática”. Com mais de 100 pessoas, esse encontro teve como objetivo promover um espaço de troca de experiências entre organizações, parceiros e financiadores que atuam com a agenda da comunicação, bem como ser um momento de escuta para lançamento de uma chamada pública para apoio a projetos de organizações de base que atuam na pauta da comunicação popular na Amazônia Legal e MATOPIBA.
A metodologia desse encontro foi realizada a partir de 4 rodas de conversas temáticas durante 2 dias de evento, privilegiando um amplo espaço de tempo para trocas proporcionadas a partir de debates entre todas as pessoas participantes do evento. Foram compartilhadas perspectivas e lições para a promoção e proteção de pessoas e organizações defensoras de direitos humanos em assuntos ambientais no Brasil nas seguintes áreas: (i) comunicação, fortalecimento da democracia, liberdade de expressão e combate à desinformação; (ii) comunicação e estratégias de defesa e segurança coletiva; (iii) fortalecimento das organizações, coletivos e redes da comunicação comunitária e popular; e (iv) apoio e financiamento das organizações de comunicação comunitária.
Abaixo relaciona-se alguns destaques dos achados trocados nesse encontro a partir de relatos compilados dos participantes:
- A comunicação é vista como estratégia de luta e promoção dos direitos humanos, quando realizada em conjunto com bases comunitárias e coletivos, sendo necessário empoderar a comunicação dentro dos territórios como uma forma de superar as barreiras de acesso.
- Comunicação abrangente: a importância de comunicar tanto as ameaças quanto os aspectos positivos em questões ambientais e de organização das comunidades. A promoção de histórias boas, que ressaltam a ancestralidade e resistência, é uma forma de contrabalançar narrativas distorcidas. A comunicação é destacada como uma estratégia crucial para apoiar projetos de povos e comunidades, fornecendo resistência contra desafios e obstáculos.
- Aprofundar o alcance: buscar maneiras de ampliar o alcance do conteúdo de alta qualidade para atingir um público mais amplo. A falta de acesso à informação nas comunidades e a dificuldade de estabelecer comunicação eficaz entre diferentes partes são questões preocupantes.
- Desinformação e criminalização: a disseminação de fakenews e a criminalização das organizações sociais, sobretudo as organizações de base, são destacadas como estratégias utilizadas contra as comunidades.
- Desafios da comunicação na Amazônia: Logística complexa, custos elevados e acesso limitado são mencionados como obstáculos à comunicação na região.
- Empoderamento da Juventude: é recomendado empoderar a juventude não apenas com habilidades de comunicação, mas também com a compreensão de seu papel político e social.
- Financiamento insuficiente: falta de apoio financeiro à comunicação popular, destacando que essa ausência não decorre de uma inabilidade em gerir recursos, mas da falta de recursos em si. A falta de recursos e financiamento limita a capacidade das organizações de desenvolvimento social de realizar comunicação eficaz.
Entendendo a comunicação comunitária e popular como crucial para a conscientização e produção de informação local sobre os impactos da emergência climática, sobre as ameaças à sociobiodiversidade e sobre as violências relacionadas aos conflitos pela terra e território no Brasil, e considerando que essa comunicação comunitária já ocorre, tem mudado realidades, resiste bravamente e muitas vezes é a única ferramenta local que promove engajamento, sensibilização e denúncias contras tais violações locais, é neste contexto que o Fundo Casa abriu a chamada de projetos Comunicação Comunitária e Direitos Humanos – Fortalecimento de organizações, coletivos e redes de comunicação comunitária e popular da Amazônia Legal e MATOPIBA.
Esta chamada pública, que fica aberta até o dia 1º de abril, visa impulsionar projetos que ampliem o fortalecimento de organizações, coletivos e redes de comunicação comunitária popular da Amazônia Legal e MATOPIBA que atuam nas temáticas dos direitos das comunidades locais, combate à desinformação e no fortalecimento da democracia.
Os projetos inscritos podem estar enquadrados nas seguintes linhas de apoio:
- Linha 1 – Fortalecimento Institucional – Desenvolvimento de ações que fortaleçam as organizações, coletivos e redes de comunicação comunitária e popular e aumentem a sua capacidade de atuação e incidência.
- Linha 2 – Produção de conteúdo – Desenvolvimento de ações para a produção de conteúdo focado na defesa de direitos territoriais das comunidades locais, defesa de biomas e das florestas, combate à desinformação, fortalecimento da democracia, enfrentamento às violações socioambientais e defesa e segurança coletiva de pessoas e organizações defensoras de direitos humanos em assuntos ambientais.
- Linha 3 – Alcance, distribuição, difusão e compartilhamento de conteúdo – Desenvolvimento de ações que fortaleçam a difusão e o alcance de conteúdo gerado pelas organizações, coletivos e redes de comunicação comunitária e popular, entendendo esse processo como ações de democratização do acesso à informação.
- Linha 4 – Fortalecimento das redes de comunicadores/ comunicadoras populares – Desenvolvimento de ações que fortaleçam as redes de comunicação comunitária e popular, que aumentem a sua capacidade de atuação em rede e incidência.
Ao realizar essa chamada pública de projetos específica e temática na comunicação comunitária, o Fundo Casa sinaliza que o apoio financeiro na medida adequada, gerenciado pelas próprias comunidades, tem se demonstrado uma importante estratégia para a defesa de territórios e para o fortalecimento comunitário.
Mais detalhes sobre essa chamada estão disponíveis no site do Fundo Casa: https://casa.org.br/chamadas/comunicacao-comunitaria-e-direitos-humanos-fortalecimento-de-organizacoes-coletivos-e-redes-de-comunicacao-comunitaria-e-popular/
Dando continuidade a esse debate, a Rede Comuá lançará, em 2024, a publicação Filantropia e Midias Comunitárias: caminhos para o de fortalecimento da comunicação por direitos no contexto da sociedade civil no Brasil