Autoria: Elida Miranda, Emilly Mel e Harley Henriques
Iniciamos esse texto dizendo que afirmar o direito à vida é necessário, que iniciativas de apoio e suporte às existências também, iniciativas que saiam do papel e vão para além de um discurso. Num país marcado pela desigualdade e preconceito, quais são as pessoas que podem viver o direito à vida de forma plena e integral? Quando se é LGBTQIA+ no Brasil a chance de você ser morto ou morrer por suicídio são maiores do que para a população em geral, apenas simplesmente por você ser quem você é ou expressar sua sexualidade. Isso é resultado da necropolítica sobre os corpos LGBTQIA+, materializada através da LGBTIQfobia, que seleciona quem pode viver, mas, da mesma forma, quem deve e pode morrer.
Quando um vídeo da internet chamado “Trollando a mãe sou lésbica horrorstory” viralizou há alguns anos, onde uma adolescente “brinca” de assumir-se lésbica para a mãe e esta além de ficar em fúria, quase que a agride violentamente nas mesa do café da manhã tendo que ser retirada a força pelo marido, percebemos que uma brincadeira que parece boba para pessoas heterossexuais cisgêneros, custa a vida de muitos LGBTQIA+ desse país. Aqui se traz os dados que endossam essa afirmação: somos o país que mais mata pessoas trans no mundo, o que mais mata pessoas LGBTQIA+, uma pessoa LGBTQIA+ tem 3 vezes mais chances de ser morta no Brasil além de ter um risco maior para o suicídio, além de que na pandemia o índice violência contra corpos trans aumentou 33% e que a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 30 anos. Contra fatos, não há argumentos, é o que diz um antigo ditado. Entretanto, mesmo com fatos a luta ainda é pela vida.
Olhando para esses dados, a sensação que pode ser sentida é que isto é fatídico e nada se pode fazer. Porém, é neste momento que a/o/e leitora/ or/re se encontra equivocada/o/e. Existe muita (re)existência e as vidas LGBTQIA+ são inventivas! E aliado a isso, vem a questão de que não se está só, de que não estamos sós. Há um texto da Ângela Davis que propõe que devemos nos erguer enquanto subimos. Ele nos revela como devemos nos ajudar, nos darmos as mãos e a colocarmos uns aos outros de pé. Quando a idealização, e logo depois a efetivação do Fundo LGBTQIA+ do Fundo Positivo, vieram à tona, a sensação era essa mesma: de nos reerguemos enquanto subimos, ou como o próprio tema do fundo evidencia: de (RE)existirmos!
O Fundo LGBTQIA+ nasce de uma reunião do Fundo Positivo realizada no ano de 2018 com as principais redes LGBTQIA desse país, onde estas já afirmavam e referendavam o Fundo Positivo como uma grande força aliada e de suporte para o movimento LGBTQIA+ do Brasil. O que se sucedeu então foi consumar essa parceria de forma integrada e real, conseguir financiadores, lançar um edital e esperar as Redes e Organizações de Base da Sociedade Civil acessarem este edital e se juntarem ao Fundo LGBTQIA+, não só nessa jornada, mas, da mesma forma, em uma frutífera parceria. Atualmente, além das Redes e OSCs, há 15 projetos contemplados de todas as regiões do país, e inclusive adentrando os interiores do Brasil.
10 de dezembro e o Dia Internacional dos Direitos Humanos
O dia 10 de dezembro é lembrado como dia de alusão e comemoração ao “Dia Internacional dos Direitos Humanos”, pois houve a criação e adoção da Declaração Universal dos Humanos feita pela ONU em 1948. Nos seus mais de 30 artigos, a declaração evidencia direitos básicos e que garantem o necessário de dignidade para que as pessoas possam viver: liberdade, educação, saúde, cultura, informação, alimentação e moradia adequadas, respeito, não-discriminação, entre outros.
Observando a proposta do Fundo LGBTQIA+ percebe-se que ela está em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois a partir de um edital específico para esta população, almejamos através dos financiamentos dos projetos, que os direitos citados acima se tornem reais e acessíveis e não vilipendiados para essa população. Que esses direitos não sejam só um acordo assinado, mas que se materializem na esfera de vida e da existência real das pessoas LGBTQIA+ do Brasil.
Como bem posto pelo título, (Re)existir se tornou um ato político não só pela vida mas também de resistência frente ao genocídio cotidiano dessa população, e o Fundo LGBTQIA+, parte estratégica do Fundo Positivo, não só apoia como financia essa ideia.
Emilly Mel Fernandes de Souza, mestra em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde também cursou a graduação de Psicologia. Faz parte da associação Atransparência/RN, ligada à luta pela cidadania das pessoas trans potiguares. Atualmente é Coordenadora do Fundo LGBTQIA+ (Fundo Positivo). É uma pessoa trans sendo a primeira a se formar na graduação e Mestrado em Psicologia da UFRN.
Harley Henriques do Nascimento, fundador e Coordenador Geral do Fundo Positivo, ativista na área de HIV / AIDS há 30 anos, quando fundou o Gapa BA. Administrador de empresas, com mestrado em Gestão e Sustentabilidade pelas Organizações da Sociedade Civil pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ashoka fellow e líder Avina. Trabalha no campo de mobilização de recursos para organizações da sociedade civil há mais de 20 anos.