Por Andreza Andrade
Pautadas na sensibilidade, solidariedade e empatia, mulheres indígenas Guajajara da Terra Indígena Caru, localizada no oeste do Estado do Maranhão, protagonizam ações de gestão ambiental e territorial das suas terras ancestrais. Essas mulheres formam o coletivo Guerreiras da Floresta, que desde 2014, apoia e promove ações de proteção territorial junto com os Guardiões da Floresta, na defesa dos territórios e das culturas indígenas.
As Guerreiras da TI Caru têm na sua missão a proteção de 173 mil hectares de terra indígena demarcada. Este território também conforma o Mosaico Gurupi, um conjunto de áreas protegidas que abriga a maior porção de Floresta Amazônica no Estado do Maranhão, e por isso se configura num importante patrimônio ambiental e cultural para toda a região. No entanto, toda essa riqueza socioambiental é constantemente ameaçada pelo desmatamento e atividades ilegais como retirada de madeira, caça e pesca, praticadas por invasores não indígenas.
A luta pela integridade territorial na TI Caru já estava sendo travada há anos pelos Guardiões da Floresta, grupo formado por homens indígenas que atuam na defesa do território. Nas suas ações, os Guardiões percorriam toda a Terra Indígena a fim de identificar atividades ilícitas e denunciá-las aos órgãos competentes. A partir do surgimento das Guerreiras, essa batalha ganhou novos significados com a inserção da visão da mulher indígena na busca de novas estratégias para a defesa territorial. Além de fortalecer o papel das mulheres em espaços de decisões comunitárias, as reflexões que as Guerreiras faziam após as inúmeras expedições de patrulhamento realizadas junto com os Guardiões, demonstraram que as ações deveriam ir além das fronteiras dos territórios indígenas, chegando até os povoados do entorno, só assim conseguiriam compreender melhor a realidade dos invasores para assim sensibilizá-los de forma mais efetiva.
Assim, as Guerreiras da Floresta iniciaram uma agenda de constantes visitas aos povoados do entorno da TI Caru com o objetivo de promover diálogos e campanhas socioeducativas de sensibilização. Nessas visitas, as Guerreiras abordam a importância da conservação ambiental da floresta e dos serviços ecossistêmicos que se estendem a indígenas e não indígenas. As culturas indígenas também são apresentadas, pois muitas pessoas dessas localidades desconhecem que o território em questão é uma Terra Indígena demarcada e habitada tradicionalmente por povos originários. As Guerreiras também explicam a atuação dos Guardiões da Floresta, desse modo, procuram sensibilizar a todos/as como forma de evitar qualquer forma de conflito. “Nunca sabemos como vão nos receber, mas precisamos continuar a fazer este trabalho, pois sabemos da importância de conhecer a situação desses povoados”, afirma Marcilene Guajajara, liderança e uma das fundadoras do coletivo.
Foi por meio dessas visitas que as Guerreiras também perceberam as inúmeras dificuldades que essas pessoas vivenciam no seu dia a dia e que isso poderia ser um fator que desencadeia as invasões. “As políticas públicas não chegam para essas pessoas, têm povoados que não têm nenhuma escola, nem posto de saúde, é muito claro o estado de extrema vulnerabilidade social dessas famílias”, relata Maísa Guajajara, uma das lideranças do coletivo.
“O nosso território é desrespeitado, eles acabam com tudo do lado deles e vem aqui para o nosso lado para poder dar de comer para os filhos deles”, completou Dona Maria Guajajara. As Guerreiras reconhecem as complexidades em torno dessa situação. Ao mesmo tempo em que precisam proteger o território contra as invasões, elas também entendem que essas pessoas vivem em constante desamparo. À cada visita realizada, as Guerreiras voltavam para suas aldeias se perguntando de que forma poderiam ajudar a melhorar a qualidade de vida daquelas famílias.
O Projeto “Traçando Novos Caminhos para o Bem Viver”
A oportunidade de ajudar a esses povoados surgiu em novembro de 2021, quando as Guerreiras da Floresta, por meio da associação Wirazu, celebraram uma parceria com o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e a Rede de Filantropia para a Justiça Social (RFJS) para implementar o projeto “Traçando Novos Caminhos para o Bem Viver”. A iniciativa tem por objetivo ofertar às famílias ou aos indivíduos desses povoados uma pequena linha de financiamento via microprojetos, para desenvolvimento de iniciativas produtivas como hortas, roças e frutíferas/quintais; reflorestamento/viveiros e pequenas criações de animais de pequeno porte. A iniciativa disponibiliza o valor de 2 mil reais para cada microprojeto selecionado. Dessa forma, a ação se configura numa importante ajuda a essas comunidades para que desenvolvam suas atividades produtivas, ao mesmo tempo em que colaboram com a conservação ambiental e os meios de vida dos seus povoados e dos territórios indígenas.
O projeto se iniciou em janeiro com uma atividade de diagnóstico, onde as Guerreiras visitaram alguns povoados para falar da iniciativa e levantar os locais prioritários. “Vimos a felicidade deles quando falávamos do nosso projeto”, afirmou Rosilene Guajajara, outra liderança pertencente ao coletivo. Entre fevereiro e março, as Guerreiras junto com a equipe técnica do ISPN elaboraram um edital de microprojetos específico para a ação e o apresentaram in loco nos povoados elencados. Foram recebidas 42 propostas que serão avaliadas nas próximas semanas. Após a seleção, o recurso será disponibilizado diretamente na conta corrente das famílias que tiveram seus projetos aprovados. Ao final da iniciativa os/as beneficiários/as deverão apresentar um relatório de execução de atividades. O monitoramento e o acompanhamento de cada microprojeto será feito pelas próprias Guerreiras da Floresta, em parceria com a equipe técnica do ISPN.
A iniciativa está sendo acompanhada por uma equipe de comunicadores/as indígenas da TI Caru que estão registrando por meio de fotografias e filmagens todas as etapas de realização. A ideia é que ao final do projeto, toda a história do protagonismo das mulheres indígenas na condução deste projeto seja contada num documentário que tenha a voz e o olhar indígena sobre o processo. O projeto também está produzindo dois vídeo-animações sobre os microprojetos que servirão de material didático e ajudarão na compreensão de como submeter propostas e fazer a gestão.
A Diretora Superintendente do ISPN, Cristiane Azevedo, acredita que o projeto se soma às mais diversas formas inovadoras que mulheres e homens indígenas adotam para cuidar dos seus territórios nesta porção da Amazônia maranhense. “É com grande satisfação que apoiamos essa iniciativa protagonizada pelas Guerreiras da Floresta. O projeto se integra às relevantes estratégias de gestão ambiental e territorial protagonizadas por coletivos de mulheres e grupos de Guardiões da Floresta na região do Mosaico Gurupi”, enfatizou.
Rosilene Guajajara reconhece que há muitos desafios em implementar uma iniciativa deste tipo. Sobretudo porque há formas de pensar muito diferentes entre indígenas e não indígenas. “Nós pensamos coletivo e eles no individual, vejo que este sofrimento que passam é porque não estão organizados, não tem associação comunitária, por isso falamos da importância de estarem organizados para se fortalecerem, só assim conseguirão as coisas”, afirmou. O cacique Antônio Wilson Guajajara, da aldeia Maçaranduba (TI Caru), é um apoiador e incentivador da iniciativa. Para o mesmo, o projeto embora pequeno, trará grandes resultados. “Essa iniciativa é única no Maranhão pois é a primeira vez que um povo indígena dá essa oportunidade para um povo não indígena, esse projeto engrandece a esperança para que a floresta permaneça em pé e que esses caraiu (não indígenas) tenham condições melhores de vida”, afirmou.