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‘Meu tempo é agora’: Financiamento de direitos trans em tempos de desdemocratização

‘Meu tempo é agora’: Financiamento de direitos trans em tempos de desdemocratização

Foto: karollyne-videira-hubert / Unsplash

Por: Maria Clara Araújo dos Passos*

Na Global Trans Conference, realizada em julho deste ano em Munique, os movimentos trans e de diversidade de gênero falaram dos seus papéis essenciais na luta contra a erosão da democracia em nível mundial. A disponibilização de financiamento básico, flexível e baseado em confiança a essas organizações é fundamental para fortalecer os direitos de todos à pluralidade e à autodeterminação da identidade de gênero.

Temos visto o reconhecimento da identidade de gênero sendo usado como arma pública por atores de extrema direita de forma a gerar ansiedade social e ressentimento. Frequentemente mal qualificadas como uma “cortina de fumaça” por partidos e organizações políticas progressistas, as políticas antitrans têm consequências palpáveis na vida das pessoas trans e gênero-diverso, especialmente quando racializadas. De acordo com o último relatório de Monitoramento de Homicídios de Pessoas Trans da TGEU, 80% das 321 pessoas trans e gênero-diverso assassinadas entre outubro de 2022 e setembro de 2023 também eram racializadas; 94% das vítimas eram mulheres trans ou pessoas trans femininas e 48% eram profissionais do sexo. No entanto, os movimentos trans e de diversidade de gênero carecem em todo o mundo de financiamento suficiente para proteger as suas vidas ou prover às suas necessidades materiais básicas.

Mundialmente, as campanhas antitrans e os ataques aos movimentos de negros trans e gênero-diverso precisam ser reconhecidos pelo que são: uma erosão da democracia em nível mundial e uma ameaça ao direito fundamental à autodeterminação da identidade de gênero.

Os movimentos trans e de diversidade de gênero pedem que a filantropia reconheça as suas demandas como inscritas em um cenário mais amplo de princípios democráticos. Existe um trabalho urgente em curso para mudar a noção compartilhada dos direitos trans como uma preocupação de um grupo específico de pessoas. Seu chamado à ação propõe o desafio de colocar em prática a interseccionalidade.

Em vez de atribuir às demandas das pessoas trans uma importância secundária, os ativistas que participaram da Global Trans Conference descreveram vigorosamente como a sua agenda se tornou um elemento central das discussões atuais sobre as sociedades em que queremos viver. 

Os movimentos trans e de diversidade de gênero objetivamente convidam a filantropia a adotar o olhar pela perspectiva trans e assim entender a necessidade de financiamento básico, flexível e baseado em confiança como um meio eficaz de fortalecer os princípios democráticos em todo o mundo.

Os ativistas que lideraram a Global Trans Conference se mostraram determinados a desmantelar a insistência da filantropia em separar os movimentos e agendas que integram projetos mais amplos. Hoje, o apoio aos direitos trans deve ser entendido como uma ação que contribui para o acesso de todos à educação, à justiça, aos direitos sexuais e reprodutivos, à alimentação, aos direitos humanos, à autonomia e a muitas outras necessidades básicas. 

Assim, os ativistas trans e de diversidade de gênero têm promovido mudanças fundamentais na sociedade. Não se trata apenas de incluir pessoas trans e gênero-diverso nos sistemas existentes. Os movimentos trans e de diversidade de gênero estão expandindo os entendimentos hegemônicos de democracia e cidadania, contestando as estruturas que determinam quem deve ser visto como merecedor de direitos e que vidas devem ser consideradas dignas de ser vividas.

Em 2010, a Iyalorixá Mãe Stella de Oxóssi (1925-2018) lançou no Brasil o seu segundo livro, intitulado “Meu tempo é agora”. O título é uma afirmação sem reservas feita por uma líder religiosa afro-brasileira, que ressoa profundamente em nossa comunidade e movimentos afro-trans.  Está demorando tanto. Demais, na verdade. Como afirma a Declaração Mundial de Pessoas Trans e Gênero-Diversas, os ativistas trans e gênero-diverso declaram o seu direito de existir, de se sentir seguros e de prosperar em um mundo que valorize a diversidade de gênero já.


*Maria Clara Araújo dos Passos é pedagoga (PUC-SP) e mestranda em Sociologia da Educação (USP). É autora de Pedagogias das Travestilidades (Civilização Brasileira, 2022). É pesquisadora do Programa Saberes (2024), da Rede Comuá, onde desenvolveu a pesquisa “Cadê o aqué? Mapeando ausências, (des)encaixes e possibilidades entre as organizações de travestis e mulheres transexuais e a filantropia no Brasil”. Atualmente é a Movement Partnerships Coordinator do Black Feminist Fund.

Esse artigo foi publicado originalmente na Alliance Magazine.

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