Neste 08 de março, convidamos mulheres que fazem parte das organizações que constituem a Rede para compartilharem suas experiências no campo
Por Camila Guedes
O Dia Internacional das Mulheres é sempre uma data de grande reflexão. As mulheres são predominantes entre as organizações membro que constituem a Rede, mas esse cenário não para por aí
A publicação Perfil das Organizações da Sociedade Civil no Brasil, lançada em 2018 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), constatou que 65% da força de trabalho nas Organizações da Sociedade Civil (OSC) no país é constituída por mulheres, se estendendo também ao trabalho voluntário, onde dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que o público feminino também é maioria.
Para Diane Pereira Sousa, presidenta do Instituto Comunitário Baixada Maranhense, as mulheres estão tendo cada vez mais visibilidade “Faz sentido para mim entender que, como mulher, somos o oposto de Maria Firmina em seu primeiro romance e nós não somos “uma maranhense” – Maria Firmina em seu primeiro romance “Úrsula” precisou usar um pseudônimo para ser publicada. Atuar no terceiro setor com esses dados que demonstram que o público feminino representa a maioria, é justamente chegar em um lugar onde nós não mais somos “uma maranhense”, mas temos os nossos nomes visibilizados. Então é Diane Pereira Sousa, que está à frente de uma organização que contribui para o desenvolvimento local da sua região, que dialoga sobre direitos humanos, que entende que é importante romper o ciclo de desigualdades.”
Mulheres e o terceiro setor
Existe uma explicação para essa porcentagem majoritariamente feminina atuando no campo? Não há consenso. Porém existe um consenso em que mulheres trazem maior equilíbrio aos diferentes ambientes de trabalho, habilidades de conexão e técnica com aptidão emocional e interpessoal, competências fundamentais no contexto de instituições do terceiro setor, que trabalham diretamente com questões sociais, de justiça social e humanitárias.
“A Filantropia comunitária e de justiça social é um pacto de corresponsabilização por uma sociedade mais justa e, um pacto como esse, dialoga diretamente com o universo feminino. Mulheres, historicamente, têm olhado para problemas complexos e buscado construir soluções que sejam coletivas, que respondam a singularidade de cada um dos indivíduos que estejam alinhadas com aquilo que serve a suas famílias, comunidades, ao seu território e a sociedade como um todo.” pontua Fernanda Lopes, diretora de programas do Fundo Baobá para Equidade Racial.
Para Ana Patrícia Arantes, jornalista do Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA), o trabalho é gratificante: “É inspirador e gratificante ver algo que pensamos coletivamente acontecer coletivamente. E também agregador para o nosso cotidiano feminino, que envolve maternidade e trabalho. Cada projeto posto no território é mais um ‘filho’ que nasce e que faz bem para a humanidade.”
“Eu nasci e cresci em uma estrutura familiar orientada por mulheres. Quando digo orientada, não é apenas do ponto de vista do cuidado, mas daquilo que é também o poder central de equilíbrio e estruturação de uma casa, uma família, sendo 100% feito por mulheres. Isso foi muito importante para todo o processo de construção como pessoa que eu tive até chegar onde estou. Em todos os espaços em que eu atuo, dentro do meu campo profissional, estou em espaços que fortalecem a participação das mulheres, dentro dos espaços de poder: produzindo, criando, cooperando, empregando, decidindo. Para mim esse é o sentido.” compartilha Diane.
A força das mulheres no contexto da doação e justiça social
Em meio a diferentes realidades sociais, territoriais e políticas, as mulheres seguem cada vez mais viabilizando e fazendo parte da filantropia comunitária e da justiça social. Os números e exemplos mostram que as mulheres têm tido uma participação fundamental quando o assunto é articulação e contribuição para o financiamento das OSCs e suas diferentes agendas.
Fernanda afirma: “As mulheres fazem a diferença nesse campo e, em parceria com as pessoas que adotam outros universos de gênero, atuam nessa construção que é orientada para a justiça. Estamos sempre dispostos a olhar para os problemas aparentes e intervir nas causas. Essa é a magia desse espaço de filantropia comunitária e para a justiça social que se emancipa, que amplia o repertório de direitos e que se dispõe a contribuir para a ampliação desse repertório e não para a manutenção do status quo. As mulheres têm mostrado que esse é o caminho.”
A coordenadora de programas da RFJS, Luisa Hernandez, acredita no poder da cultura de doação “Na minha trajetória eu tenho trabalhado por mais de 10 anos na área de captação de recursos para organizações sociais e, dentro desse trabalho, tenho identificado a importância de construir uma cultura de doação no país que reconheça e que valorize as potencialidades que têm as comunidades de base e os movimentos sociais. Meu desejo é que meu trabalho contribua para isso, que cada vez mais a gente consiga garantir que recursos cheguem à ponta e que fortaleçam grupos, movimentos, coletivos e minorias sociais… Trabalhar dentro do terceiro setor sendo mulher também é possibilitar que mais mulheres possam assumir esses papéis de liderança, tenham acesso a recursos para desenvolver seus projetos e contribuir com suas comunidades.”
O processo de escolha de carreira, em geral, não é simples e quase sempre requer base, direcionamento e metas. Quando falamos em filantropia comunitária, justiça social e OSCs, o cenário não é diferente. O campo se destaca também por, muito além de uma opção de trabalho, trazer um sentimento de atuação com propósito a quem atua nele.
Na trajetória de Fernanda, atuar na área foi uma consequência de sua longa caminhada trabalhando com desigualdades sociais: “São mais de 20 anos atuando nesse campo de promoção dos direitos humanos, enfrentamento ao racismo e sexismo, promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, dos direitos das mulheres. Para mim, meu trabalho nos diferentes ecossistemas em que eu estive sempre foi um meio para promover oportunidades de desenvolvimento para todas as pessoas e com atenção muito especial para jovens, mulheres e a população negra. A Filantropia para a Justiça Social dialoga com esse percurso, por isso que eu falo que ela foi para mim um resultado.”, afirma a diretora.
Diane compartilha que desde cedo traçou os caminhos que a trouxeram a atuar no campo: “Essa foi uma escolha do início até agora, eu comecei aos 13 anos com um público beneficiário de ações que o Instituto de Formação desenvolvia na minha região, que é a baixada maranhense. Fui convidada para integrar a organização quando completei 18 anos e, mesmo passando por outros processos formativos, escolhi e entendi que esse era meu espaço no mundo, que esse era meu espaço social de trabalho. Que, toda essa estrutura que eu tinha, somada a essa experiência e vivência que eu já tinha na vida, seria um espaço para que eu pudesse materializar os meus sonhos, para que eu pudesse transformar a escassez em abundância, para que eu pudesse me desenvolver e ao meu território, para que eu pudesse investir em pessoas que transformassem em realidade, assim como investiram em mim para fazer o mesmo.”
A jornalista Ana Patrícia vê sua decisão de atuação como uma ferramenta de transformação social “Minha escolha se deu por conta de querer transformar com as próprias mãos a situação socioambiental, logo que me formei em jornalismo, em meados de 1998. O experimentar “governar com o povo, sem ser um governo institucionalizado”. O terceiro setor oferece isto, diferentes oportunidades e possibilidades de mudança social.”
Verdadeiras Potências
Mulheres em Rede são potências. Neste 08 de março, é necessário reconhecer o percurso e a força de diferentes mulheres em seus setores, especialmente quando se fala sobre justiça social e filantropia comunitária, que transformam a realidade.
“É muito importante conversar sobre em que lugar nós estamos e qual a nossa responsabilidade, nesse dia a dia, de perceber a força que nós podemos criar em conjunto, mas não só isso. Também perceber que os espaços onde não estamos perdem, porque somos potência. Já deixamos muito bem evidenciado e definido que temos a capacidade de ressignificar, comandar, reconstruir, desconstruir e habilitar processos, políticas, passos, casas, empresas e outros lugares.” finaliza Diane.