Seja muito bem-vinda/e/o à Rede Comuá!

O metaverso da Filantropia: construindo realidades transformativas a partir de justiça social

Por Marcelle Decothé

Você já deve ter ouvido falar ou lido algo sobre o fenômeno tecnológico do momento: a existência do que chamamos de Metaverso. Isso, nada mais é do que a terminologia utilizada para indicar um tipo de mundo virtual que tenta replicar a realidade através de dispositivos digitais. Uma realidade moldada e controlada por um programador, que opera através de ferramentas outras possibilidades de mundos e sentidos distintos de bem-viver.

No último mês de setembro, na cidade de São Paulo, Brasil, a Rede de Filantropia por Justiça Social – agora nova Rede Comuá, organizou um seminário internacional que trouxe luz a debates relacionais entre democracia, filantropia comunitária, justiça social e direitos humanos, protagonizado por pessoas negras, mulheres cis e trans, por organizacoes sociais e fundos comunitários que operam da ponta transformaçoes significativas. Cabe a nós ressaltar que naquela semana, nosso próprio metaverso da Filantropia Social foi criado, onde a realidade moldada através de nossa teoria de mudança tem no centro a diversidade, o território e a forma de fazer desburocratizada.

Em nosso Metaverso filantrópico imaginamos um mundo onde os recursos mobilizados e a cultura de grantmaking no Brasil e na América Latina considerem estratégias de impacto social lideradas por pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+ e periféricas, onde o impulsionamento de movimentos, organizações sociais e coletivos seja orientado para a redução de desigualdades de forma coletiva, territorializada e menos burocrática. Através da reunião dos protagonistas da filantropia comunitária, a celebração dos 10 anos da Rede Comuá trouxe visibilidade a reflexões sobre práticas decoloniais e prioridades estratégicas que o investimento social privado e filantropia precisam mergulhar sobre no próximo ciclo.

Em nossa realidade metavérsica, acreditamos que para se alcançar a equidade racial e de gênero em nossa sociedade, é necessário compartilhar recursos e poder com quem cotidianamente produz impacto nos territórios mais desiguais do país. Juntos, investidores de impacto social e coletivos, movimentos e organizações de favelas e periferias, aldeias e quilombos podem recriar um mundo onde a base seja a justiça social e oportunidades iguais.

Em agosto deste ano, a Iniciativa PIPA, uma organização criada por quatro ativistas periféricos do Brasil e que tem como principal missão contribuir para democratizar o acesso ao investimento social privado no Brasil, ajudando a construir um mundo em que os recursos filantrópicos e privados sejam acessíveis às organizações, aos coletivos e aos movimentos de base favelada e periférica de maneira ampla e equitativa em termos de raça, gênero e classe, lançou uma carta aberta a filantropia brasileira.

Nela, convidamos aos colegas de fundações privadas e familiares, a empresas que impulsionam o impacto social, e à comunidade de doadores individuais, a repensarem suas políticas internas de construção, priorizando a contratação de perfis negros, periféricos, LGBTQIA+ e de mulheres para gerirem seus portfólios e estarem em cargos de gestão e direção, para tomarem a decisão sobre quem e quanto se pode investir na mudança efetiva. Além de impulsionar um modelo de doação e repasse de recursos que priorizem o fomento a iniciativas negras, periféricas e com recortes de gênero.

Não precisamos desenhar uma realidade paralela para entender que fomos nós, pessoas negras, indígenas e periféricas, que garantimos que as favelas e periferias pudessem comer e se proteger durante a pandemia, imaginem a transformação política, econômica e social que conseguiremos construir se recebermos recursos sustentáveis, flexíveis e de longo prazo, para além do momento pandêmico.

Transformar o metaverso da filantropia por justiça social e comunitária em realidade material e concreta depende de todo o ecossistema, principalmente de investidores sociais privados e suas múltiplas organizações e empresas finalmente vejam as favelas e periferias, a população negra, indígena, quilombola, povos do campo e da cidade, mulheres, LGBTQIA+, não apenas como beneficiárias, mas como protagonistas da mudança. Somos os programadores do bem-viver, e para termos sucesso na redução das desigualdades, precisamos que nossa realidade de transformação concreta seja a regra, não a exceção.


Marcelle Decothé é pesquisadora de gênero, raça e violência, co-fundadora do Movimento Favelas na Luta e Iniciativa Pipa e Gerente de Programas do Instituto Marielle Franco. Também é bolsista do programa Saberes da Rede Comuá.

*Artigo originalmente publicado no site da revista digital Alliance em inglês e traduzido para o blog da Rede Comuá: ,https://www.alliancemagazine.org/blog/the-metaverse-of-philanthropy/

CONTINUE LENDO

Procomum -45
Nasce a Aliança Territorial...
26 de setembro de 2023
capa do blog
Pesquisa Doação Brasil 2022...
13 de setembro de 2023
capa do blog (3)
Comuá lança mapeamento de o...
12 de setembro de 2023
capa do blog (4)
Dia do Cerrado: como a fila...
12 de setembro de 2023
Carregando mais matérias....Aguarde!