Foto: Frenchiebuddha / Adobe Stock
Por: Luana Braga Batista*
No Brasil, a auto-organização das mulheres negras é um raio de esperança e resiliência em meio a uma história de desigualdades sistêmicas. Essas mulheres, muitas vezes marginalizadas e negligenciadas, estão à frente do trabalho de enfrentamento dos desafios urgentes da violência econômica, exclusão social e insegurança alimentar nas suas comunidades. No entanto, apesar de suas contribuições vitais, elas continuam em grande parte à margem dos recursos e das oportunidades necessárias para promover uma mudança verdadeira.
Grande parte dessa população está concentrada nas periferias das cidades, em favelas e quilombolas, e em comunidades ribeirinhas e indígenas. Um relatório da Rede Penssan divulgado recentemente destaca a triste realidade: mais de 33 milhões de brasileiros enfrentam a insegurança alimentar, sendo que as famílias negras são desproporcionalmente afetadas. Um em cada cinco lares chefiados por indivíduos negros luta para colocar comida na mesa. Essa interseção de raça e gênero amplia o impacto da discriminação, obrigando muitas mulheres negras a lutarem não apenas pela sobrevivência, mas pela dignidade e pelo acesso a direitos básicos.
Nesses territórios, a sociedade civil está construindo organizações sociais, coletivos e redes – e o seu objetivo é lutar por mais dignidade e acesso para a população negra. Apesar do trabalho comunitário fundamental realizado por esses grupos, eles sofrem com a falta de assistência do Estado e são negligenciados pela filantropia. No entanto, para essas comunidades, as organizações de base lideradas por essas mulheres negras são essenciais.
A ajuda e o apoio fornecidos por elas podem atingir de 250 a 1.000 pessoas. Em muitos casos, as mulheres dependem grandemente de recursos pessoais para sustentar seu trabalho – quase 60% do financiamento vem de seus próprios bolsos. Isso se traduz em menos de R$ 5.000 (US$ 900) por ano, sendo que muitas contam com ainda menos. É desanimador considerar que 89% das pessoas que estão na linha de frente dessas organizações são mulheres, sendo um número considerável delas mães, mas menos de vinte por cento recebem qualquer forma de remuneração pelo seu trabalho incansável, e ainda têm que dar conta de diversos empregos e responsabilidades, na luta para democratizar o acesso a direitos nas suas comunidades.
O Fundo Agbara, o primeiro fundo de mulheres negras do Brasil, está trabalhando incansavelmente para mudar essa realidade. Mas ele precisa de mais recursos para ter maior impacto, o que inclui a produção de dados em seu centro de pesquisa e o atendimento direto a essas mulheres, financiando seus projetos, garantindo sua autonomia e emancipação.
Quem cuida das pessoas que cuidam dos outros? Devemos levar isso em consideração ao avaliarmos a sustentabilidade das ações por justiça social lideradas por essas mulheres. O terceiro setor pode gerar milhões de empregos, mas precisamos perguntar: quem está sendo empregado e remunerado por suas contribuições? Quase todas as mulheres negras em cargos voluntários suportam cargas de trabalho quatro a cinco vezes maiores que a média, tudo isso enquanto administram as suas próprias famílias e sustentam seus filhos.
Quem financia a manutenção da democracia? Olhando para o exemplo do Brasil, podemos afirmar com sinceridade que é possível alcançar qualquer forma de justiça social sem uma política de igualdade de raça e gênero? A justiça social só pode ser alcançada com recursos distribuídos diretamente às comunidades de base, de forma justa.
Para alcançar qualquer forma de justiça social, é preciso priorizar políticas que promovam a igualdade de raça e gênero. Isso significa redistribuir recursos diretamente para as iniciativas de base que capacitam essas mulheres e suas comunidades. As suas vozes devem ser ouvidas e as suas soluções apoiadas.
Luana Braga Batista é Diretora de Pesquisa do Fundo Agbara, o primeiro fundo filantrópico para mulheres negras no Brasil. É também pesquisadora do Programa Saberes, da Rede Comuá, onde desenvolve a pesquisa “Justiça social e filantropia: gênero, raça e direitos econômicos”.
Esse artigo foi publicado originalmente na Alliance Magazine.