Foto: Gaga Al/Adobe Stock
Por: Helen Maria – Assistente de Projetos no Fundo Casa Socioambiental
A urgência de abordar as questões ambientais globais nunca foi tão evidente, essa busca por um equilíbrio sustentável entre comunidades humanas e o meio ambiente se faz mais presente do que nunca.
No centro desse desafio, a interseção entre a Afroecologia e a Filantropia Comunitária emerge como uma força transformadora na busca por justiça socioambiental. Essas abordagens, ao se unirem, podem catalisar mudanças significativas, empoderando comunidades e promovendo ações na luta contra o racismo ambiental e estrutural.
O termo “Afroecologia” surge como um conceito que celebra a união entre sustentabilidade e o movimento negro, entendendo que muito do que se divulga hoje sobre agroecologia, na verdade, são práticas milenares desenvolvidas pelos indígenas e pelo povo preto de África. É uma mistura da agroecologia com africanidades, prática que nasceu com as mulheres, antigamente os homens iam caçar e as mulheres ficavam em função de cultivar e preparar o alimento, jogando as sementes no solo onde as plantas começariam a nascer.
A Afroecologia, fundamentada nos saberes tradicionais africanos, não é apenas uma prática agrícola, mas um movimento que transcende para uma relação holística com a natureza. Ao integrar métodos agrícolas respeitosos com o ecossistema, ela não apenas fortalece a segurança alimentar das comunidades, mas também fomenta a resiliência climática. Resgatando assim saberes ancestrais, oferecendo soluções práticas, sustentáveis e inovadoras para os desafios ambientais contemporâneos.
A Filantropia Comunitária, por sua vez, atua como um motor de mudanças locais, direcionando recursos para iniciativas específicas que promovem a equidade e a sustentabilidade, empoderando assim as comunidades de bases, desempenhando um papel crucial na promoção de autonomia, de comunidades historicamente marginalizadas.
Nesse contexto, o movimento pela justiça socioambiental surge como um componente central. Reconhecendo as disparidades históricas em termos de impactos ambientais, buscando garantir que todos tenham acesso a um ambiente saudável, independentemente de sua origem étnica ou status socioeconômico.
A interseção entre a Afroecologia e a Filantropia Comunitária cria um espaço propício em busca dessa justiça socioambiental, onde as comunidades podem não apenas adotar práticas agrícolas sustentáveis, mas também se tornarem protagonistas na definição de seu futuro. Esse empoderamento transforma os indivíduos em agentes ativos na transformação de seus próprios ambientes, criando um terreno fértil para o florescimento de práticas mais justas e resilientes.
A sinergia entre os dois temas pode oferecer ainda um terreno fértil para práticas transformadoras. A reapropriação social da natureza, liderada por comunidades e movimentos sociais, representa uma resposta vital à exploração insustentável dos recursos naturais. Ao recuperar o controle sobre a gestão responsável de seus próprios recursos, as comunidades fortalecem sua resiliência e preservam seu patrimônio cultural e ecológico. As comunidades são capacitadas a enfrentar desafios ambientais desproporcionais, como a degradação do solo, a escassez de água e a perda de biodiversidade, com soluções que respeitam sua história, cultura e valores.
O respeito pela sabedoria tradicional africana combinado com o apoio financeiro necessário, pode ser um ponto estratégico utilizado pela filantropia, a gerar um impacto positivo que transcende o ambiental para abraçar também o social e o econômico. Essa estratégia pode ser utilizada através da Afroecologia, ao valorizar a diversidade de plantas, sementes e práticas agrícolas, respeitando não apenas a biodiversidade, mas também a diversidade cultural das comunidades em suas culturas ancestrais e sociais.
Um exemplo de como a filantropia colaborativa pode auxiliar na justiça socioambiental e na filantropia comunitária através da preservação da Afroecologia, é o trabalho que realiza a Aliança entre Fundos – iniciativa que reúne o Fundo Baobá para Equidade Racial, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. A filantropia colaborativa proposta por essa aliança introduz novas abordagens para aprimorar um ecossistema dedicado à filantropia para a justiça social. O foco principal recai sobre as questões estruturais que impactam a sociedade brasileira, notadamente as desigualdades social, racial e ambiental.
Foram destinados em 2022, R$2,5 milhões mobilizados nesta iniciativa, contemplando 68 grupos quilombolas, sendo 42 grupos beneficiados através do Fundo Casa Socioambiental que lançou seu primeiro edital exclusivo para comunidades quilombolas no contexto da pandemia da COVID-19, em que esse recurso foi necessário para que os grupos mantivessem a Afroecologia viva como maneira de segurança alimentar.
O Fundo Casa Socioambiental desenvolve há 19 anos a filantropia comunitária , ao reconhecer e apoiar a singularidade de cada comunidade, garantindo que os projetos sejam culturalmente sensíveis, fortalecendo os laços entre as pessoas e seu entorno.
Esse apoio por meio de aportes financeiros, fortalecimento das capacidades institucionais e suporte tecnológico, não apenas busca proteger seus direitos diante das significativas ameaças que enfrentam, mas também visa fortalecer a autonomia econômica e cultural dos grupos que apoia, capacitando-os para a execução direta dos projetos.
De 2005 a 2022, foram apoiados através do Fundo Casa, 3157 projetos, contabilizando R$ 77.941.746,44 recursos doados para os temas que perpassam a Afroecologia, desde o coenfrentamento ao racismo ambiental, o fortalecimento comunitário, a justiça socioambiental, a segurança alimentar, as soluções sustentáveis e os projetos produtivos. Com dados de 2023 ainda a serem publicados com possibilidade que esses números sejam superados.
Aliar esses dois temas pode se revelar como um caminho promissor na busca por justiça socioambiental, principalmente no que diz respeito ao recorte racial. Apesar dos desafios enfrentados por essas abordagens, como as limitações de financiamento e resistência a mudanças de maneira global no modo de preservar, temos fatores como a criação de redes de colaboração e a sensibilização pública emergindo como estratégias-chave para superar esses obstáculos.
Podemos sim trilhar um caminho de reapropriação social da natureza ao promover a autonomia comunitária e abraçar a diversidade, essas forças transformadoras não apenas podem enfrentar os desafios ambientais que estamos combatendo, como as mudanças climáticas, mas também pode construir um alicerce para comunidades mais resistentes e equitativas.
Ao aliarmos práticas ancestrais com a filantropia comunitária, encontraremos não apenas soluções para a crise ambiental, mas também um caminho para um futuro em que comunidades florescem em harmonia com a natureza.
Helen participou do Programa como integrante da equipe do Fundo Casa Socioambiental. Sua participação se deu através do apoio para realização da pós-graduação em Gestão de Projetos Culturais e Sociais, realizada entre agosto de 2022 e março de 2023. Para Helen, o curso complementou seu trabalho no Fundo Casa, além de lhe “preparar para enfrentar os desafios específicos do setor, ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento sustentável e cultural da sociedade”. Algumas habilidades que ela destaca a partir do curso são: “compreensão aprofundada do setor, habilidades de gestão de projetos específicas, capacidade de captação de recursos, marketing e comunicação específicos para as áreas abordadas pelo curso, desenvolvimento de redes profissionais e pensamento sistêmico e sustentável”. Por fim, Helen considera o Programa de Fortalecimento de Capacidades importante para o “aprendizado contínuo de profissionais [de fundos comunitários], além de contribuir para seu engajamento com outros profissionais do setor e para sua motivação”.