Por Alice Vogas
A filantropia global vem se questionando amplamente sobre qual é e qual poderia ser a sua contribuição para endereçar a emergência climática. A partir do estudo lançado pela ClimateWorks Foundation em 2021, se consolidou na Europa e nos Estados Unidos um forte chamado à ação nesse sentido: Apenas 2% dos recursos da filantropia global são direcionados para financiar projetos de mitigação à mudança do clima.
O estudo tem várias limitações conhecidas. Por exemplo, ele não incorpora dados sobre financiamento para adaptação à mudança do clima e utiliza dados de menos de 200 Fundações quando o estudo da Harvard Kennedy School indica a existência de mais 260.000 Fundações em todo o mundo. Contudo, ele tem vários méritos e tem sido importante para provocar reflexões: Será que estamos, como setor, dando a atenção necessária para esta temática que é tão transversal a tudo que fazemos? Será que a realidade dos esforços de combate à mudança do clima mudariam simplesmente se a contribuição do setor passasse, por exemplo, de 2% para 20%? Se há um desejo legítimo dos movimentos de justiça climática na América Latina, África e Sudeste Asiático em protagonizar as decisões sobre o futuro dos territórios onde os impactos climáticos estão acontecendo, como se insere a filantropia oriunda destas regiões neste debate global se a grande maioria dos recursos da filantropia climática vem da Europa e dos Estados Unidos?
Cada pergunta dessas poderia gerar mil debates interessantes, mas o ponto que eu gostaria de tratar neste texto e que de certa forma perpassa todas essas questões é: Como é possível a filantropia incorporar a agenda climática em sua atuação sem ter que se tornar um financiador climático em sentido estrito? O movimento global #Philanthropy For Climate, lançado em 2019, e que já conta com 555 Fundações signatárias em 18 países, busca justamente apoiar a filantropia não-climática a dar passos adiante neste olhar estratégico para a mudança do clima, mas sem perder sua identidade e seus temas primários de atuação. Neste apoio à filantropia para sair das intenções às ações, partimos de pelo menos três pressupostos.
Primeiro, de que se envolver com a mudança do clima pode parecer assustador à primeira vista e é preciso tornar esse primeiro passo mais acessível. É muito comum ouvirmos de filantropos que atuam no campo da democracia e participação social, por exemplo, dizerem que querem fazer algo a respeito da mudança climática, mas não sabem por onde começar. Muitos não se interessam ou não vêem sentido em olhar para essa questão a partir da ótica da redução de emissões de gases efeito estufa, mas se este processo se desse a partir de um olhar interseccional de raça e gênero, poderia fazer sentido. Para estes e estas, como começar? Nosso movimento busca apoiar esse público em especial.
Segundo, entendemos que o campo da filantropia é muito heterogêneo e incorporar a mudança do clima na abordagem filantrópica não significa apenas ter uma linha de financiamento de projetos em clima. Há fundações com Endowments que têm preferido desenvolver sua atuação a partir do impacto sistêmico que seus investimentos podem ter ao demandarem de seus gestores de recursos o desinvestimento em empresas de combustíveis fósseis. Outras organizações buscam trazer a questão climática para suas operações, reduzindo o uso de recursos materiais em seus programas, saindo da publicação impressa à digital ou mesmo dando preferência a fornecedores locais de serviços, o que reduz a pegada de carbono de toda a operação.
Isso os torna financiadores climáticos? Não necessariamente. Faz diferença para a forma como a sociedade lida com a emergência climática? Com certeza!
Terceiro, toda fundação, seja ela focada em uma atuação local ou global, pode se beneficiar com a troca de experiências e colaboração com fundações de outras partes do mundo. Entre decidir lidar com a emergência climática e conseguir alcançar resultados concretos envolve muita reflexão, experimentação e exercício de autoconhecimento institucional. Colaboração e parcerias são fundamentais nesta jornada. Se olharmos o que um grupo de Fundações de base comunitária na Nova Zelândia tem feito para incorporar a transição justa em suas ações e o que a Associação Espanhola de Fundações têm buscado neste campo, veremos que os contextos locais são muito diferentes, mas há desafios semelhantes, cuja a troca pode ajudar a ambas na busca de caminhos que façam sentido para cada território.
Por vezes pequenos ajustes de rota podem provocar grandes transformações sistêmicas. Há muito a ser feito no Brasil e no mundo neste campo e mais vozes e experiências brasileiras são necessárias neste espaço de diálogo global que é o movimento #Philanthropy for Climate. Convidamos a todas e todos a se envolverem neste movimento, assinando o compromisso internacional de filantropia pela mudança do clima, usando o Guia de Implementação para se inspirar com ideias de ações concretas implementar e trazendo suas dúvidas e compartilhando suas experiências neste espaço que está em construção.
Alice de Moraes Amorim Vogas é a #PhilanthropyForClimate Lead na WINGS. Ela vem trabalhando com política climática há vários anos no Brasil e no exterior. Ela é graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e possui mestrado em Economia Política de Desenvolvimento Tardio pela London School of Economics and Political Science (LSE).