Foto: Rede Comuá
Por: Graciela Hopstein e Mônica Ribeiro*
Nos últimos anos, em especial nas COPs (Conferências do Clima da Organização das Nações Unidas) e em diversos fóruns nacionais e internacionais de debate sobre clima, muito se tem falado sobre a importância de fazer chegar recursos às comunidades e territórios mais afetados pelos efeitos extremos das mudanças climáticas. No entanto, o grande desafio é fazer com que eles cheguem aos territórios, a grupos e movimentos de base.
Em todo o mundo, e também no Brasil, comunidades, associações e organizações da sociedade civil vem desenvolvendo soluções locais para mitigar os efeitos da mudança climática que atinge principalmente minorias políticas como comunidades indígenas, negras, quilombolas, LGBTQIA+, mulheres, agricultores e agricultoras familiares e populações de territórios periféricos urbanos.
A filantropia comunitária e de justiça socioambiental tem papel estratégico em fazer chegar recursos, de modo desburocratizado e confiável, a esses grupos, apoiando soluções que eles mesmos desenvolvem localmente promovendo iniciativas de prevenção, adaptação e resiliência às mudanças climáticas.
No início do mês de junho, durante a realização do F20 Climate Solutions Forum, foi lançada a iniciativa Comuá pelo Clima, que surge como uma estratégia que consolida a atuação protagonista das organizações da filantropia independente no financiamento climático, implementada há tempos pelos fundos temáticos e comunitários que integram a Rede
A justiça climática é um conceito norteador da atuação da Rede Comuá, que considera os valores de inclusão, justiça e defesa de direitos nas ações diante da mudança climática e atua no financiamento de soluções locais, criadas por, para e com as comunidades, considerando as especificidades dos territórios e necessidades grupos envolvidos.
Juntas, as organizações membro da Comuá já apoiaram ou cocriaram centenas de soluções locais para mitigar as mudanças climáticas em diferentes territórios do país, junto a grupos politicamente minorizados. São apoiadas soluções climáticas em todos os biomas do Brasil – o que demonstra uma atuação altamente capilarizada – com destaque para a Mata Atlântica e a Amazônia.
Estas soluções são diversas, e se dividem em 12 eixos de atuação. A maioria delas se concentra nos temas de Conservação e Biodiversidade (19%), Adaptação e Resiliência Comunitária (16%) e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais (9%). Com relação a públicos prioritários, o foco está centrado em mulheres, pessoas negras, comunidades LGBTQIAPN e juventude, sempre desde uma perspectiva intereseccional.
Diagnóstico desenvolvido junto à Rede (que será publicado na íntegra no mês de setembro) destaca que, entre 2022 e 2023, 75% dos membros da Comuá aumentaram seu investimento na área de clima e justiça climática. Somente em 2023 foram doados mais de R$ 200 milhões, destinados ao enfrentamento da mudança climática, o que demonstra que as organizações que integram a Rede são financiadoras/apoiadoras estratégicas para a sociedade civil no campo da justiça climática. Certamente, os impactos destes apoios são potentes e muito significativos em termos dos resultados alcançados.
Apesar disso, o grande desafio é o financiamento, isto é a falta de de recursos alocados para a sociedade civil, levando em conta que a filantropia local mainstream é pouco doadora no que diz respeito a agendas vinculadas a direitos humanos, justiça social e minorias políticas, e que os recursos internacionais chegam a conta gotas no país (apenas 12% do financiamento do Norte Global chega ao Sul e Leste Globais, segundo relatório da HRFN). Entretanto, a filantropia e cooperação internacional continuam sendo a principal fonte de financiamento da filantropia independente, representando 74% dos recursos mobilizados pelas organizações da Rede.
Assim, a Comuá pelo Clima nasce da perspectiva de organizações que já atuam no apoio financeiro às soluções locais pelo clima, e pretende dar visibilidade às ações desenvolvidas pelas organizações da filantropia independente no financiamento dessas soluções, destacando sua trajetória de atuação no campo da justiça socioambiental e de direitos humanos, sua capacidade de gestão e assertividade em fazer os recursos chegarem às bases, atendendo a demandas de territórios e grupos em maior situação de vulnerabilidade.
Trata-se de uma ação que busca fortalecer o posicionamento político, a atuação coletiva e em rede para a construção de estratégias, narrativas e produção de conhecimento no campo da filantropia climática, impulsionando e dando visibilidade a essas agendas tanto na esfera pública não estatal como nos ecossistemas filantrópicos nacional e internacional, buscando fomentar o aumento das doações para financiamento das soluções locais na chave do acesso a direitos e do fortalecimento da democracia.
Em 2024, o Mês da Filantropia que Transforma será dedicado a demonstrar a importância da interseccionalidade com direitos humanos e democracia trazida pelo financiamento climático para soluções locais, e como os princípios da filantropia comunitária – confiança, protagonismo das soluções desenvolvidas localmente, desburocratização e parceria – fazem diferença na assertividade e na capilaridade da distribuição desses recursos.
*Graciela Hopstein e Mônica C. Ribeiro – respectivamente diretora executiva e coordenadora de comunicação da Rede Comuá.