A comunicação é, desde sempre, um dos grandes desafios para organizações da sociedade civil que trabalham com direitos humanos e justiça socioambiental. Além do conteúdo em si, os modos de produção e entrega desse conteúdo para os públicos de interesse também são pontos de reflexão permanente.
Em 2021, a Rede de Filantropia para a Justiça Social (RFJS) lançou a publicação “Os desafios na comunicação da filantropia comunitária e de justiça social”. O material reúne uma série de textos produzidos a partir de entrevistas coletivas, realizadas com os comunicadores dos Fundos Integrantes da RFJS, promovidas com o objetivo de mapear e analisar os desafios para essa comunicação e para dar visibilidade às estratégias desenvolvidas.
O resultado reflete um conjunto de reflexões e questões que contribuem para pensar práticas e estratégias desse campo, partindo do pressuposto que a comunicação é essencial para o fortalecimento da luta por direitos e da democracia.
Três pontos em especial são destacados pela síntese da contribuição dos comunicadores dos Fundos da Rede na publicação:
O primeiro deles diz respeito ao sentido da comunicação. É preciso produzir narrativas que sensibilizem pessoas e organizações para a doação, reportar resultados visando manter doadores engajados e alcançar grupos e movimentos sociais não formalizados.
O segundo diz respeito ao desafio dessa comunicação, já que nesse momento impera ainda mais fortemente um discurso refratário aos direitos básicos, o que pede a produção de uma contra narrativa eficiente e engajadora para superar o discurso que equipara direitos humanos a direitos dos assim chamados ‘criminosos’.
E o terceiro traz a necessidade de lidar com um novo contexto em relação ao acesso e consumo das novas tecnologias de informação e comunicação.
Comunidade de práticas estimula comunicação em rede
Para endereçar essas questões, a RFJS e os Fundos que a integram deram início, em outubro, ao movimento de criação de uma comunidade de práticas voltada à comunicação e narrativas, no âmbito do programa Doar para Transformar.
Uma primeira oficina foi realizada em outubro, no sentido de avançar com os comunicadores nessa construção, ouvindo os pontos de maior incômodo e os desafios de se comunicar no dia a dia, como também modos como essa comunidade poderá ajudar nesse processo.
O trabalho em rede, a troca de experiências e o compartilhamento de resultados, boas práticas, metodologias, ferramentas e estratégias de fortalecimento da comunicação foram os primeiros pontos destacados, como também a importância de compor um ecossistema de comunicação da Rede, com alimentação constante de conteúdos e encontros híbridos e de formação.
A atuação conjunta dos comunicadores dos Fundos poderá gerar estratégias para potencializar narrativas potentes do campo, capazes de mobilizar e alavancar doações para o campo da filantropia comunitária e de direitos humanos e ser combustível para ações de incidência junto ao ecossistema filantrópico.
O próximo encontro do grupo deverá acontecer em dezembro.
Fundos promoveram campanhas e desenvolveram produtos com apoio da RFJS
Entre 2020 e 2021, os Fundos que compõem a Rede foram convidados a apresentar projetos ao Programa de Apoio, com objetivo de promover troca de experiências e aprendizados e articulação de parcerias.
As iniciativas apoiadas estiveram voltadas ao enfrentamento da pandemia da Covid-19, em três linhas de atuação: criação de fundos e linhas de apoio emergenciais para organizações, movimentos e grupos de base que realizam ações diretas; mobilização comunitária e campanhas de doação; e campanhas de comunicação, informação e produção de conhecimento.
Na área da comunicação, quatro projetos foram apoiados:
A iniciativa do Fundo Baobá – Fundo Baobá e a resposta emergencial: sistematizando informações e produzindo conhecimento – teve como objetivos produzir conhecimento e subsídios para tomada de decisão com base em informações coletadas junto aos apoiados pelos editais de doações emergenciais no contexto da pandemia, sistematizar essas informações por meio de monitoramento e avaliação, além de mapear até 15 boas práticas e aprofundar a análise sobre a experiência, a ser sistematizada em uma publicação digital.
Fundo Elas contou com o projeto Comunicação do Edital Mulheres em Movimento 2020: confiança radical nas mulheres, tendo no âmbito do lançamento do Edital a produção de informação e conhecimento sobre a filantropia para a justiça social baseada na confiança pautando a necessidade de financiamento flexível para as organizações de mulheres. Um webinário com membros da RFJS como convidados e a produção de um vídeo em formato de animação, somaram para o fortalecimento sobre a pauta e o debate sobre filantropia para a justiça social no âmbito nacional.
O projeto do Fundo Positivo, Ações De Comunicação Para O Enfrentamento Ao Covid-19 Em Territórios Socioambientalmente Vulneráveis, foi conduzido com o propósito de disseminação de informações sobre prevenção ao COVID-19 – e temas correlatos – em comunidades socioambientais vulneráveis. A proposta projetou o uso de ferramentas como: podcasts, cards e lives para distribuição de conhecimento, fortalecendo assim as organizações de base comunitária.
O ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza) apresentou o projeto Canto da Coruja Comunidade, um podcast focado em levar informação sobre a pandemia ao meio rural e também promover troca de experiências entre comunidades de diferentes localidades do Brasil, com audiência focada em povos e comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e quebradeiras de coco de babaçu.
Méle Dornelas, assessora de comunicação do ISPN, destaca como um dos resultados mais significativos da iniciativa a compreensão da importância de estimular o fazer comunicação comunitária nos territórios, e a intenção é que o Canto da Coruja inspire comunidades a fazerem seus próprios programas.
“A iniciativa continua com outro financiador, mas o apoio da Rede de Filantropia foi fundamental para entendermos a força do Canto. Vemos comunitários compartilhando o programa nas suas rádios comunitárias, pessoas comentando sobre o conteúdo, criamos uma lista de transmissão que vem ganhando muita adesão das pessoas das comunidades,” destaca Méle.
“Isso amplia também a marca institucional do ISPN como agente impulsionador de democratizar o acesso à informação e direitos. O Canto vem crescendo, se profissionalizando cada vez mais, e esse apoio da Rede de Filantropia foi fundamental para entendermos ele como estratégia de comunicação e de vida mesmo, porque o acesso à comunicação proporciona acesso a outros direitos que garantem a vida.”
A RFJS estimula, assim, o poder coletivo para a construção conjunta de estratégias e narrativas e a produção e compartilhamento de conteúdos que possam impulsionar e posicionar a agenda da filantropia comunitária e de justiça social no ecossistema filantrópico brasileiro, contribuindo para a incidência sobre esse campo em busca da ampliação de práticas de grantmaking e cultura de doação.