Por Mônica C. Ribeiro
Em junho, diversos atores da sociedade, do campo da filantropia e do Investimento Social Privado (ISP) se reuniram para refletir sobre como é possível fortalecer práticas de filantropia comunitária no contexto dos programas e projetos relacionados ao campo social promovidos por fundações, institutos e empresas brasileiras.
A iniciativa, fruto de uma parceria entre a Rede de Filantropia para a Justiça Social (RFJS) e o Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE), busca refletir sobre o contexto da filantropia comunitária no país e tecer um diagnóstico sobre os desafios enfrentados pelas organizações que atuam no campo do ISP em relação a essa agenda, com vistas a contribuir para dar visibilidade e impulsioná-la.
No encontro, conduzido pelos facilitadores Luciana Martinelli e Rafael Oliva, responsáveis pela elaboração do diagnóstico, foram apresentados os principais achados obtidos a partir da realização de uma série de entrevistas junto a oito organizações do ISP e da filantropia comunitária. A reunião contou com a participação e engajamento de mais de 40 participantes, e buscou colher subsídios para aprofundar o diagnóstico.
Durante o encontro, Cássio França, secretário geral do GIFE, afirmou que “é nuclear, no projeto do GIFE, provocar ou convidar os associados a desenvolverem uma filantropia mais democrática, A filantropia comunitária é entendida como uma das estratégias fundamentais para aprofundar a democracia no Brasil.” Cássio destacou também a importância do trabalho da Rede de Filantropia para a Justiça Social, que considera um dos principais atores no campo da filantropia comunitária, e apontou a sinergia entre a Rede e o atual momento do GIFE.
A coordenadora executiva da Rede de Filantropia para a Justiça Social, Graciela Hopstein, afirmou que o relacionamento com o GIFE vem crescendo ao longo do tempo e chegou a esta parceria para trabalhar a agenda da filantropia comunitária, buscando compreender melhor o conceito. “Há um alinhamento de percepções entre ambas organizações, e isso pode se observar através da criação de narrativas compromissadas com o fortalecimento da sociedade civil e fortalecimento da democracia no país.”
Graciela destacou também que “a filantropia comunitária é uma forma de fazer filantropia articulada com as bases, trabalhando com as comunidades e organizações, baseada em um reconhecimento dos poderes e dos ativos que as comunidades já têm. Quando falamos em filantropia, falamos em relações de poder; e quando falamos de democracia, falamos de acesso a direitos. A forma de atuação dos membros que integram a Rede é fazer com que os recursos cheguem na ponta para quem mais precisa, para que os grupos e movimentos de base mantenham suas lutas e reivindicações no campo dos direitos.”
Modos de fazer
Dentre os destaques iniciais apresentados como resultado das entrevistas, em relação ao referencial que as organizações possuem sobre filantropia comunitária e compreensão, revelam-se a ausência de menção explícita à expressão no Censo GIFE; níveis distintos de familiaridade em relação a elementos usualmente associados ao conceito e às práticas da filantropia comunitária; e a associação de conceitos como filantropia colaborativa e cultura de doação.
Também foram apresentados dados sobre o alinhamento das organizações entrevistadas às práticas da filantropia comunitária e aspectos que favorecem e que dificultam essas práticas. A abordagem junto aos entrevistados nesse sentido trouxe dez pontos que, em princípio, englobariam os modos de fazer da filantropia comunitária, embora não se esgotem em si e nem engessem os processos:
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Valorização dos ativos das organizações apoiadas
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Reconhecimento da autonomia das organizações apoiadas na concepção e definição dos rumos do projeto
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Promoção da autonomia das organizações apoiadas na gestão de recursos
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Promoção de projetos que valorizem a gestão participativa envolvendo redes locais e comunitárias
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Desenvolvimento de ações voltadas ao fortalecimento de lideranças locais e comunitárias
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Investimento no fortalecimento institucional das organizações apoiadas
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Priorização de temas e públicos associados a grupos historicamente minorizados e com histórico de violação de direitos
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Adoção de processos e mecanismos que facilitem o acesso a recursos e a prestação de contas por parte de organizações apoiadas
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Promoção de participação de representantes das organizações apoiadas em processos/instâncias de decisão internos ao Instituto/Fundação
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Adoção de políticas de promoção da diversidade na composição interna do Instituto/Fundação
Avançando rumo à construção da agenda
A partir dos dados apresentados, Diane Pereira Souza, do Instituto Comunitário Baixada Maranhense, e Fábio Deboni, do CIAT, comentaram o diagnóstico apresentado e deixaram provocações aos participantes do encontro Diane destacou a importância de substituir o olhar sobre suprir carências pelo de fortalecer as potencialidades dos territórios e de ter uma escuta mais cuidadosa: “Isso só pode ser entendido quando se ausculta a comunidade, com a preocupação em compreender o que é o viver dentro do território. Auscultar é revelar o som por trás, com maior precisão, conseguindo cruzar a fronteira.” Apontou também a importância de refletir sobre o tipo de monitoramento da filantropia comunitária, ligado mais a progresso e desenvolvimento de pessoas do que aos indicadores quantitativos.
Fábio reforçou a necessidade de promover o debate e a divulgação do conceito de filantropia comunitária, e também sobre a importância de definir melhor termos como fortalecimento da democracia e da sociedade civil no contexto da filantropia. “Qualificar esses termos e enunciá-los com maior clareza se reverte em maior substância ao conceito. Há um espaço político-pedagógico para isso, mostrando como se fortalece e de que forma, e igualmente de que forma isso não se faz.”
Fábio destacou ainda o fato de o fortalecimento institucional não ser prática comumente adotada pelo ISP, e que seria importante entender porque isso acontece, o que poderia contribuir para fomentar formas de trabalhar essa questão. Fundos e empresas costumam destacar que organizações da sociedade civil não estão preparadas para realizar boas prestações de contas, sugerindo, nesse caso, que elas reflitam sobre se o tipo de exigência seria realmente adequado ao tipo de ação que essas organizações promovem em seus territórios.
Ao final das apresentações e comentários, as organizações se reuniram em grupos para refletir e debater, com base em suas experiências, sobre o que foi apresentado, partindo de duas linhas de discussão: o que mais se destacou como aspecto marcante do diagnóstico apresentado; e que aspectos não foram contemplados pelo diagnóstico. As conclusões foram apresentadas em plenária e serão muito úteis para a validação do diagnóstico.
Os próximos passos do projeto em parceria da RFJS e do GIFE incluem a cocriação da agenda de fortalecimento da filantropia comunitária, por meio de uma oficina para debater com mais profundidade sobre como avançar no debate com base em tudo que foi construído até o momento e, por fim, o compartilhamento dos achados por meio de uma publicação.