Por Ana Letícia Silva e Paulo Motoryn
Série de reportagens: Os desafios para comunicar a filantropia comunitária e de justiça social
Esta é uma série de reportagens com quatro textos derivados de uma entrevista coletiva realizada com as comunicadoras e comunicadores das organizações da Rede de Filantropia para a Justiça Social, identificando os principais desafios vivenciados para comunicar a filantropia comunitária e de justiça social a partir da prática d@ cominicador@es.
Foram entrevistad@s: Larissa Amorim (Casa Fluminense); Silvia Dias e Fernanda Lopes (Fundo Baobá); Mônica Nóbrega (Fundo Brasil de Direitos Humanos); Renata Saavedra (Fundo Elas); Harley Nascimento (Fundo Positivo); Attilio Zonin (Fundo Casa); Ivanderson Pinheiro (Instituto Baixada); Andreia Coutinho (Instituto Clima e Sociedade); Stefani Ceolla (ICOM); Méle Dornelas (ISPN); Simone Amorim (Tabôa); Andrea Blum (Redes da Maré).
Reportagem 2:
Comunicar para mobilizar
Comunicadores/as das organizações que compõem a Rede de Filantropia para a Justiça Social alertam sobre a importância da comunicação para informar, construir pontes e… mobilizar recursos!
Mas, o que isso significa?
A “sociedade da informação” é um conceito que surgiu ainda no século XX. O termo descreve um momento histórico em que a as tecnologias de comunicação já mostravam sua capacidade de transformar a vida coletiva. Os principais intelectuais da “sociedade da informação” e o otimismo global pelo advento das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação), contudo, não foram capazes de prever o que aconteceria em 2020.
Em março, no mesmo comunicado em que a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou a “pandemia” do novo coronavírus, alertou para o risco da “infodemia” – que seria uma pandemia da desinformação. Desde então, o mundo já alcançou a triste marca de 1 milhão de mortes e as notícias falsas ainda se espalham de forma indiscriminada nas redes sociais. O cenário acendeu um alerta nas comunicadores/as das organizações que compõem a Rede de Filantropia para a Justiça Social.
“Nossos investimentos em comunicação se intensificaram muito mais agora em 2020 quando nos vimos enfrentando a pandemia da covid-19. Criamos uma campanha estratégica voltado para a pandemia, uma comunicação positiva, e isso fez com que o Fundo passasse a produzir ferramentas de comunicação, spots de rádio, podcasts, posts para redes sociais, lives semanais. Passou a ocupar protagonismo em execução de ações de comunicação”, conta o Fundo Positivo.
Nos depoimentos, é possível perceber que as organizações enxergam no atual contexto, da “infodemia” e de uma intensa polarização, os principais desafios. Mas identificam na Rede de Filantropia para a Justiça Social e na comunicação colaborativa essa oportunidade:
“Encontramos dificuldade na mobilização e interesse por parte da própria comunidade, o que trabalhamos de forma constante através de campanhas que ajudem a ampliar os olhares sobre importância de estar conectados em redes e com isso ampliarmos as discussões sobre filantropia e doações”, afirma o Instituto Baixada.
“Estamos no momento de repensar a comunicação em torno do Fundo Casa Fluminense. Vamos estar mais próximos da Rede de Filantropia para a Justiça Social e para poder pensar junto, mas vamos passar por um momento de repensar o posicionamento do Fundo Casa Fluminense”, diz a Casa Fluminense.
O cenário da comunicação no contexto da pandemia nos ajuda a refletir: que comunicação queremos? Nas entrevistas, os/as comunicadores/as falaram sobre a comunicação que sonham para o campo e sobre as dificuldades de construir um diálogo que mobilize recursos – recursos de todos os tipos, parceiros, redes, voluntários e doações.
“Nosso trabalho vai além da captação de recursos que nos permite fortalecer os atores engajados nessa causa: ele inclui a identificação dos pontos onde devemos atuar, ou seja, as questões primordiais para combater o racismo estrutural”, ressalta o Fundo Baobá.
Comunicar para quem?
O público-alvo é uma preocupação. Afinal, segundo os depoimentos, mobilizar recursos não é captar financiamento. É, sobretudo, mover ativos da sociedade, das organizações e das pessoas para a justiça social. Por isso, os/as comunicadores/as fizeram questão de ressaltar a necessidade de construir pontes entre diferentes grupos.
“Um desafio é o comunicar sem parecer assistencialista, mas de uma forma que sensibilize a sociedade para o fato de que nossas ações são estruturais e trazer seu olhar para a importância desses povos. Além disso, em um meio altamente conectado, no qual as pessoas estão em contato com diversas temáticas ao mesmo tempo, fica o desafio de como comunicar de maneira original, que sensibilize e ao mesmo tempo explique/seja claro com a mensagem. Ou seja, comunicar ao mesmo tempo que se explica conceitos básicos, de maneira original para uma sociedade que, muitas vezes, prioriza outras pautas que não a socioambiental”, conta a ISPN.
O Instituto Clima e Sociedade apontou o desafio de traduzir a profundidade do tema que trabalha. De acordo com os/as comunicadores/as da organização, é preciso “desafiar culturas institucionais” para romper as dificuldades.
“Falar de clima, de filantropia, é falar de desigualdades de raça, gênero e classe. E, mais do que apenas falar, é preciso que comunicadores/as sejam intencionais na elaboração de seus planejamentos estratégicos e desafiem suas culturas institucionais à inclusão e à equidade”, afirma o iCS.
A questão de gênero, sem dúvida, é central. O Fundo Elas, voltado a combater as desigualdades e violências contra as mulheres, é o único fundo brasileiro de investimento social voltado exclusivamente para a promoção do protagonismo das mulheres. De acordo com os/as comunicadores/as do fundo, o olhar direcionado para a mudança social é o que move a organização. Por isso, é prioridade.
“O trabalho do Elas revela o significado da filantropia para justiça social para a sociedade na medida em que pratica com sucesso a doação de recursos (financeiros ou não) pautada na confiança e visando transformar a sociedade. Temos plena consciência de que a cultura de doações no Brasil deve ser ampliada e direcionada para a mudança social, e isso se reflete nas ações do Elas”, afirma o Fundo Elas.
A mobilização de recursos é parte constitutiva e essencial da atuação da filantropia de justiça social e considerada, para além da dupla ação de captar recursos para doar, um ato político. Por isso, o desafio da comunicação que viabiliza e fortalece essa mobilização de recursos cobra uma dimensão política.