Por Ana Letícia Silva e Paulo Motoryn
Série de reportagens: Os desafios para comunicar a filantropia comunitária e de justiça social
Esta é uma série de reportagens com quatro textos derivados de uma entrevista coletiva realizada com as comunicadoras e comunicadores das organizações da Rede de Filantropia para a Justiça Social, identificando os principais desafios vivenciados para comunicar a filantropia comunitária e de justiça social a partir da prática d@ cominicador@es.
Reportagem 3:
O poder e alcance das narrativas para explicar e comunicar a filantropia comunitária e de justiça social
“Pela experiência que temos, estatísticas e teses se materializam em histórias reais, humanas”. A declaração feita pelos comunicadores/as do Fundo Baobá sobre os aprendizados que acumularam na comunicação para afirmação da filantropia comunitária e de justiça social dá conta de traduzir o principal desafio da comunicação no século XXI: superar a disputa cada vez mais acirrada pela atenção da sociedade com histórias que sensibilizem e mobilizem as pessoas.
As “histórias reais e humanas”, citadas pelo Fundo Baobá, são também o grande objetivo da Casa Fluminense. “Existe um desafio para comunicar nossos projetos: alcançar uma comunicação que ajude a materializar, mas que também precisa estar nutrida da colheita de efeitos”, afirmam os comunicadores/as da organização.
O desafio colocado pelas comunicações das organizações membro da Rede de Filantropia e Justiça Social (RFJS) é aliar a comunicação baseada em dados, evidências e resultados com o que move a própria razão de existência das organizações que a compõem: a solidariedade.
“Estamos olhando muito para o aspecto do reconhecimento, da valorização e da difusão de ações coletivas para o desenvolvimento territorial, em uma perspectiva de criar narrativas mais potentes que consigam atrair atenção da sociedade e engajar também os grandes financiadores, as fundações e institutos que têm papel central também para chegada de recursos”, concluem os comunicadores/as da Casa Fluminense.
O poder das narrativas não apareceu apenas nas entrevistas concedidas pela Casa Fluminense ou do Fundo Baobá, que citaram o tema diretamente, mas foi unanimidade no entendimento do Fundo Positivo, do Fundo Elas, do ISPN, do Fundo Brasil de Direitos Humanos, do Instituto Baixada e do ICOM.
Mas, o que de fato são as narrativas? No dicionário Aurélio, a definição é a seguinte: “ação, efeito ou processo de narrar, de relatar, de expor um fato, um acontecimento, uma situação (real ou imaginária), por meio de palavras; narração”. Se no verbete é possível definir o sentido das narrativas, como é que elas se materializam nas organizações da Rede de Filantropia para a Justiça Social?
Para o Fundo Positivo, que apoia as pessoas que convivem com o HIV, o poder das narrativas “é fazer com que, principalmente no nosso campo, que deu resultados significativos para redução de uma epidemia no país que foi instalada nos anos 80 e que estava dizimando vidas, estigmatizando as pessoas que estavam vivendo com aquela enfermidade, o movimento social responda rapidamente e reverta um quadro de infecção”.
Já de acordo com os depoimentos do Fundo Elas, a importância da construção de narrativas humanas, que traduzem impacto em histórias, é reconhecer “as mulheres por suas potências – e não por suas carências, como fazem as instituições filantrópicas de cunho assistencialista – pois temos o compromisso com a transformação das relações de poder na sociedade”.
“Os fundos que praticam o grantmaking realizam uma atividade complexa. Quem doa recursos para projetos sociais, por exemplo, tem a expectativa de doar diretamente para quem executa o projeto”, refletem as comunicadoras do Elas.
O ISPN, por sua vez, aponta que as narrativas para fortalecimento da filantropia para justiça social devem conter, para além da necessidade de humanizar os trabalhos realizados pela organização, explicar “conceitos bastante presentes no modo de agir do ISPN e que possuem baixa disseminação e introjeção entre a sociedade, que poucas pessoas sabem o que significam. Além de pautar as construções das nossas narrativas, esses conceitos precisam ser compreendidos e assimilados no modo de fazer dos povos e comunidades para incidir em um mundo melhor, mais justo e sustentável”.
“Em um meio altamente conectado, no qual as pessoas estão em contato com diversas temáticas ao mesmo tempo, fica o desafio de como comunicar de maneira original, que sensibilize e ao mesmo tempo explique e seja claro com a mensagem.”, dizem os/as comunicadores/as do ISPN.
Como as narrativas partem da transformação de sujeitos em personagens, de fatos em enredos, a questão do protagonismo apareceu de forma marcante nas reflexões dos/as comunicadores/as.
“O Fundo Brasil entende o grantmaking – e a filantropia comunitária – como ferramentas que trazem para o centro do debate político uma pluralidade de proposições sobre quais são os direitos fundamentais da cidadania e como promovê-los e expandi-los. Ilumina pautas e estratégias locais, construídas a partir de saberes diversos e distintos entendimentos de país e de mundo. Democratiza a construção de um país mais igualitário, empoderando sujeitos, impulsionando o desenvolvimento comunitário e coletivo, fortalecendo vozes para que protagonizem suas próprias causas”, dizem os/as profissionais do FBDH.
Mais do que ver as histórias refletidas em seus conteúdos de comunicação, o Instituto Baixada traz a importância da atuação em rede na construção de narrativas. “Além das dificuldades voltadas para os campos da tecnologia também encontramos dificuldade na mobilização e interesse por parte da própria comunidade, o que trabalhamos de forma constante através de campanhas que ajudem a ampliar os olhares sobre a importância de estarem conectados em redes e, com isso, ampliar as discussões sobre filantropia e doações”, dizem.
A reflexão sobre as parcerias em rede surgiu no depoimento da equipe do ICOM. Definiram o papel da organização como uma “ponte”. “É sempre preciso comunicar que o papel do ICOM é de ser ponte entre os doadores e as organizações que atuam ‘na ponta’, promovendo essas causas, o que também tem se revelado bastante desafiador”, afirmam.
“É desafiador comunicar como a filantropia comunitária e de justiça social acontece na prática, e como atuam as diferentes frentes de trabalho que fazem isso acontecer – como o estímulo à cultura de doação e ao investimento social privado”, ressaltam os/as comunicadores/as do ICOM.
Para os/as comunicadores/as Instituto Clima e Sociedade (iCS), as narrativas servem para dar a real dimensão do impacto do tema em que a organização atua: “O desafio é garantir que nossas mensagens cheguem às populações vulneráveis e não se restrinja a um campo privilegiado de atores climáticos. Falar de clima (e de filantropia) é falar de desigualdades, raça, gênero e classe. E, mais do que apenas falar, é preciso que comunicadores/as sejam intencionais na elaboração de seus planejamentos estratégicos e desafiem suas culturas institucionais à inclusão e à equidade”, dizem.
As/os comunicadoras/es do Fundo Baobá que trouxeram a reflexão disparadora da reportagem também ressaltaram a importância de encarar cada ator envolvido na filantropia de justiça social como “sujeitos de suas histórias”. “Embora possa parecer que há uma relação hierárquica diferenciando quem doa e quem recebe, ambos são sujeitos de suas histórias e a filantropia que considera as dinâmicas estabelecidas nos territórios, nas comunidades como peça-chave para a transformação dá essa dimensão de complementaridade dos papéis atribuídos a cada ator político envolvido”, afirmam.