Foto: Humbert / Adobe Stock
Por: Cléber Rodrigues*
A tragédia-crime que ocasionou o rompimento da barragem de rejeitos de minério no Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, foi um dos desastres mais devastadores da história recente do Brasil. Além das trágicas perdas humanas — as 272 joias, como a comunidade costuma chamar as vítimas —, o crime atribuído à mineradora Vale causou danos ambientais e sociais imensuráveis no território. Diante do mar de lama que foi a tragédia do dia 25 de janeiro de 2019, uma resposta era evidente. Surge a partir do desastre uma aliança entre diversas organizações, que rapidamente se mobilizou para criar o Fundo Regenerativo de Brumadinho. Este fundo tem o objetivo de ajudar na recuperação e reconstrução da região afetada apoiando os projetos socioambientais do território de Brumadinho.
A articulação permitiu a criação dos processos que constituíram o Fundo Regenerativo de Brumadinho, um passo crucial para garantir uma resposta eficaz e coordenada. O processo envolveu a coleta de dados, análise de impacto e desenvolvimento de melhores práticas. A organização responsável pela tesouraria e governança do fundo, a Associação Nossa Cidade, enfrentou muitos desafios ao longo do caminho, mas sua dedicação em transferir recursos a grupos e etnias vulneráveis foi perceptível. Esse esforço e organização resultaram na produção de materiais robustos sobre o fundo regenerativo Brumadinho, como relatórios, guias de boas práticas e manuais de implementação, muitos deles em vídeos e muitos ainda não catalogados.
A sistematização da experiência do Fundo Regenerativo de Brumadinho foi o resgate de todo esse material, que foi sistematizado para ser replicado e possivelmente aplicável a diversos contextos, garantindo que outras comunidades possam aprender com suas experiências. A sistematização não foi apenas uma resposta à crise imediata, mas também estabeleceu um modelo replicável para outras comunidades enfrentando crises similares. Este modelo flexível e adaptável de fundo comunitário é uma ferramenta eficaz de reparação disponível no campo da filantropia comunitária no Brasil. Ele destaca a importância de uma abordagem coordenada e ágil, especialmente em situações de desastres naturais e crimes ambientais.
A conexão entre a sistematização e a justiça socioambiental é clara, no sentido de possibilitar a regeneração do território, permitindo que projetos socioambientais aconteçam e/ou resistam, sendo apoiados com até R$ 3.000. O que o Fundo Regenerativo proporciona ao território é, de fato, filantropia comunitária. E esta, quando bem organizada, garante que as vozes locais sejam ouvidas e respeitadas, promovendo uma reparação justa e inclusiva. O Fundo Regenerativo de Brumadinho serve como um exemplo de como envolver a comunidade na recuperação e reconstrução de seu território, podendo levar a resultados positivos e sustentáveis. A própria sistematização se dedica a apresentar alguns desses atores e atrizes da verdadeira regeneração local.
O material produzido no âmbito do Programa Saberes da Rede Comua, que é um programa de apoio a construção de saberes locais através de pesquisas sobre filantropia comunitária e de justiça socioambiental, se presta a imaginar o impacto positivo da aplicação dessa sistematização em outros territórios. Comunidades que enfrentam desastres naturais e crimes ambientais podem se beneficiar dos conhecimentos e materiais que foram desenvolvidos e estão compilados nos links no final deste documento. Essas histórias de sucesso mostram que o trabalho não foi em vão e que organizações que pensam na reparação e na regeneração de territórios estão no caminho certo para promoção da justiça socioambiental.
O legado que a sistematização do Fundo Regenerativo de Brumadinho deixa para o campo da filantropia comunitária no Brasil é um material robusto e valioso para futuras respostas a crimes e crises climáticas. Quero, como alguém que se dedica a pesquisar fundos comunitários, que esses materiais e conhecimentos continuem a orientar outras organizações e comunidades, garantindo uma resposta eficiente, ágil e coordenada. A visão para o futuro é que a sistematização ganhe novos capítulos e conte, através de registros fiéis, como está se dando a construção dos Fundos Metropolitano de Belo Horizonte e Nova Esperança, fundos que surgiram a partir da escrita da experiência de Brumadinho.
Desejo que a sistematização de experiências do Fundo Regenerativo de Brumadinho continue a evoluir e influenciar a filantropia comunitária brasileira. Compartilhar conhecimentos e experiências é crucial para enfrentar os desafios que ainda estão por vir, segundo as previsões das principais agências do clima.
*NOTA: Este artigo faz parte do projeto de pesquisa “Semeando fundos regenerativos locais em todo o brasil: Sistematização do Fundo Regenerativo de Brumadinho”, de Cleber Rodrigues, desenvolvida no âmbito do Programa Saberes da Rede Comuá.
AUTOR: Cléber Rodrigues é profissional de saúde com mais de 12 anos de experiência no cuidado à pessoa idosa e na comunicação em saúde. Fisioterapeuta especializado em Gerontologia, criou o programa PAPSAUDE, voltado à promoção da saúde para idosos em Santa Luzia, onde também co-fundou o Coletivo LGBTQIAPN+. Como empreendedor social, lidera o Instituto Casa Mirants, focado em projetos regenerativos e comunicação em saúde. Atualmente, é Conselheiro Fiscal da Associação Nossa Cidade, e a partir da experiência dela, desenvolveu a pesquisa no âmbito do Programa Saberes.