Por Diane Pereira Sousa e Ivanderson Campos
É tempo de reparar na balança! Esse trecho da música Cartas de amor de Maria Bethânia, diz muito do percurso que viemos construindo ao longo dos anos de existência do Instituto Comunitário Baixada Maranhense.
Como membro da Rede de Filantropia para a Justiça Social em 2020 iniciamos, por meio do Programa de Apoio, uma linha de ação para contribuir com a redução dos impactos da pandemia do novo coronavírus na Baixada Maranhense. O nome desse programa é Ascultar. Esse conceito para nós significa: 1) escutar com precisão; 2) entender os sentidos; 3) ir para além do torrão; 4) desintegrar a matéria; 5) que os sons anormais são preciosos; 6) conectar; 7) unir os olhares para perceber; 8) tornar visível.
Vamos contar uma história concreta sobre os resultados e aprendizagens gerados a partir desse programa e sobre a importância dele para o fortalecimento de nossa organização.
Domingas é uma mulher de 52 anos. Nasceu e cresceu na área rural de São Vicente Ferrer. Ali onde o marcador do tempo é a natureza, as relações se estabelecem de forma comunitária, o eu está a todo instante criando o nós. Ela é agricultora, planta arroz, mandioca para fazer farinha, pesca, faz cofo, produz o que consome e o que sustenta toda sua família. Em Aningas, comunidade onde mora, o escambo é coisa comum, o vento é o correio do socorro. De repente ela grita para sua vizinha em uma comunicação difícil de decifrar pra quem é de fora “Francilda, tem tempero seco aí?” é nossa deixa para entender a dinâmica daquele lugar. Tudo parecia seguir o rumo que ela desenhou, mas algo mudou e não foi apenas naquela pequena e bonita comunidade.
Nesse contexto de pessoas, ventos e vozes, juntamos jovens líderes de cinco cidades da Baixada Maranhense: São João Batista, Olinda Nova, São Vicente Ferrer, Palmeirândia e Arari para soltarem sua solidariedade potente. Apresentamos uma proposta e criamos a rede de trabalho para que vozes como as de Domingas chegassem até nós e nós até elas, auscultando-as.
O Auscultar é isso. Um programa emergencial que mobiliza diferentes atores unindo os olhares para perceber e escutar com precisão as vozes que ecoam na invisibilidade.
Com uma estrutura de trabalho em rede mapeamos comércios para que se tornassem pontos solidários. 220 famílias receberam nossa moeda social como crédito para compra de alimentos, material de limpeza e saúde preventiva nesses estabelecimentos. Assim, apoiamos também os empreendedores comunitários. Fizemos um mapeamento que ouviu a opinião de professores, pais e alunos sobre as condições de oferta da educação online em tempo de pandemia. Distribuímos 840 máscaras às escolas, comunidades, associações comunitárias e coletivos de jovens, estas foram produzidas por cinco mulheres costureiras de cada uma das cidades.
Essas ações beneficiaram os seguintes públicos: 113 mães solos, 10 comércios solidários e cinco empresas de mulheres, 220 famílias (sendo 60,6% chefiadas por mulheres), 210 professores e 506 alunos da rede pública. Nove instituições colaboraram de forma direta durante a execução do projeto.
Certamente essa iniciativa colabora para o fortalecimento da filantropia comunitária, sobretudo porque incide diretamente na ação que conduz o apoio, que gera mudança, que coopera para sustentar o território e torná-lo um espaço que gera desenvolvimento local.
Na Baixada, o IB desenvolve suas ações objetivando:
-
Captar de forma contínua recursos para apoiar a Baixada Maranhense;
-
Apoiar formação profissional de jovens, mulheres empreendedoras, trabalhadores rurais e dirigentes municipais;
-
Apoiar, com recursos arrecadados, suportes estruturantes (incubadora, laboratórios, pontos de educação para o desenvolvimento);
-
Apoiar, via editais com recursos arrecadados, projetos e pequenos negócios na Baixada Maranhense.
Entendemos que as redes são importantes para fortalecer o ecossistema, a dinâmica, ampliar o horizonte dos fundos e, sobretudo, criar referências e apoio no caminhar. O auscultar representa essa ação de cooperação transformadora. Encontrar as Domingas que constroem a base econômica comunitária, e que com sua ação alcançam outros níveis de sociabilidade, para apoiá-las não apenas na sobrevivência, mas na vivência do desenvolvimento local e sustentável de um território será sempre uma de nossas mais importantes intenções, e nossa missão.
* Significado de cofo: [Brasil] Espécie de cesto oval, de boca apertada, no qual os pescadores guardam o pescado; samburá.
Diane Pereira Sousa é Superintendente do Instituto Comunitário Baixada Maranhense. Mestra em Direitos Humanos, Interculturalidade e Desenvolvimento. Fellow Ashoka. Sócia-Diretora do Formação – Centro de Apoio à Educação Básica. Curadora UOL-ECOA.
Ivanderson Campos é Vice Presidente do Instituto Comunitário Baixada Maranhense. Especialista em Teoria Crítica dos Direitos Humanos. Designer de Moda. Sócio-Diretor da Cia de Dança Chegança.