Por Cleber Rodrigues – pesquisador do Programa Saberes
A filantropia comunitária representa um campo fértil para a inovação social, reunindo uma variedade de atores e organizações que se unem para promover mudanças positivas nas comunidades. A maneira como o repasse de recursos, seja financeiro, técnico ou intelectual, chegam às bases é, sem dúvida, um componente de grande impacto social. Nesse cenário, o trabalho estratégico de indivíduos e organizações, como a Associação Nossa Cidade, o ICOM, o FunBEA, o ISPN, entre outros, ganham destaque e conexões por meio do Programa Saberes, uma iniciativa da Rede Comuá. Essas organizações e sobretudo esses indivíduos, têm se dedicado à transformação social e ao impacto positivo em suas respectivas comunidades e territórios.
Após ter absorvido a inspiração e a coragem expressas em todas essas pesquisas produzidas para o programa Saberes, vejo elementos que me ajudam a moldar minha própria identidade e atuação no campo da filantropia e justiça social. Permitam-me apresentar: sou Cleber Rodrigues e serei seu guia nesta jornada através das pesquisas realizadas na primeira edição do Programa Saberes, promovido pela Rede Comuá. Mas, além disso, quero relacionar todo esse aprendizado as minhas próprias experiências como um homem negro, parte da comunidade LGBTQIA+, morador de uma comunidade periférica resiliente e muito potente, a minha acolhedora Nova Esperança.
Minha trajetória na filantropia é relativamente recente, com pouco menos de dez anos dedicados a compartilhar recursos e habilidades no meu território. Durante esse período, trabalhei em projetos voltados para a prevenção de doenças, educação em saúde e inclusão de idosos e membros da comunidade LGBTQIA+, e mais recentemente, estamos trabalhando em uma tecnologia social bastante inovadora que são as Casas Colaborativas em Comunidades. O projeto piloto acontece utilizando minha própria residência como base comunitária a qual chamamos na comunidade de Casa Mirants. Diante desse contexto pessoal e voltando ao Fio Condutor pelas pesquisas desenvolvidas digo que, desde o início das apresentações, tanto a minha própria pesquisa quanto nas dos demais bolsistas da Rede Comuá, pude identificar uma série de potencialidades e conexões com minha comunidade e história.
Um exemplo marcante dessas conexões é a pesquisa de Cássio de Souza, realizada no Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN. Sua abordagem sobre a avaliação de microprojetos socioambientais como mecanismo de filantropia trouxe uma perspectiva crucial e auxiliou na minha pesquisa. Suas descobertas ilustram como iniciativas de pequena escala podem se tornar poderosos catalisadores de transformação social, revelando o potencial latente em cada comunidade. Durante as apresentações do Cássio, realizadas durante nossos encontros mensais entre a equipe da Comuá e os bolsistas do programa, pude entender mais profundamente a trajetória do instituto que ele representa, suas relações com os territórios apoiados e a maneira como o ISPN avalia os projetos que apoia. Essas informações foram extremamente valiosas para mim, pois me permitiram enxergar como minha própria atuação na filantropia pode ser otimizada e direcionada para criar um impacto mais significativo na minha comunidade.
Seguindo essa trilha pelo vasto campo da filantropia comunitária, percebo, por meio das experiências compartilhadas em outros projetos, como a educação e a conscientização ambiental estão intrinsecamente ligadas ao sucesso das ações desenvolvidas em nossas comunidades. No âmbito desse contexto, Larissa Ferreira, do FunBEA, desenvolve uma pesquisa fundamental ao explorar como a filantropia comunitária e a educação ambiental se entrelaçam, oferecendo respostas valiosas para questões humanitárias urgentes. Sua análise aprofundada sobre o círculo de doadores no Litoral Norte de São Paulo reflete como a preocupação com o meio ambiente pode unir comunidades e organizações em torno de objetivos comuns. Ao examinar as descobertas da pesquisa de Larissa, vejo uma relação direta com os ajustes e avanços que minha proposta de pesquisa precisa fazer antes de iniciar efetivamente o projeto “Semeando Fundos Comunitários”. Estamos no caminho certo, e essa interconexão de ideias e projetos está pavimentando um caminho claro para uma filantropia comunitária mineira ainda mais eficaz e significativa.
No entanto, a filantropia comunitária não se limita ao âmbito ambiental. A voz de Jész Ipólito ressoa nessa orquestra cuidadosamente coordenada pela Rede Comua. Ao voltar nossa atenção para a pesquisa de Jész, percebemos seu impacto ao abordar as narrativas das mulheres negras sobre o campo da filantropia no Brasil. A perspectiva de futuro que emerge, especialmente a partir das regiões Norte e Nordeste, lança luz sobre um caminho que tende a ser mais lento em relação à equidade, justiça social e à transferência de capital financeiro. No entanto, a pesquisa destaca de maneira contundente o papel crucial desempenhado pelos coletivos de mulheres negras na construção de comunidades mais robustas e justas nessas regiões do país. Essa perspectiva lança um olhar crítico sobre a minha própria comunidade e os desafios que enfrentamos para incluir plenamente as mulheres em nossas organizações, permitindo que elas não apenas participem ativamente, mas também ocupem cargos de decisão. É um lembrete poderoso de que a jornada da filantropia comunitária deve ser inclusiva, diversa e socialmente justa.
Pra você que está seguindo esse Fio condutor traçado pelas pesquisas apresentadas à Rede Comuá pelos bolsistas da primeira edição do Programa Saberes, te convido a uma jornada de autodescoberta, apresentado pelo projeto de pesquisa do querido Ronaldo Eli Júnior, do Terreiro Sítio das Matas. Em sua pesquisa intitulada “Ona Dudu, o Caminho Preto”, a ação comunitária ganha vida e abraça a riqueza das tradições africanas na região Sul da Bahia. Ronaldo destaca de forma brilhante como a conexão com as raízes culturais pode desencadear um impacto poderoso e profundamente transformador na comunidade. Seu projeto, rico em espiritualidade e fé, não apenas oferece um bálsamo para as necessidades identificadas durante a pesquisa, mas também lança um apelo contundente à inclusão religiosa, especialmente dos terreiros das religiões de matriz africana junto às redes doadoras de recursos do país e além. Ele nos lembra, de maneira impactante, que esses espaços já eram centros de filantropia comunitária muito antes da chegada dos europeus às Américas ou mesmo antes do doloroso período de sequestro que nosso povo negro enfrentou na África. É uma lição profunda de como as raízes culturais podem ser fontes de força e solidariedade em nossas comunidades, servindo como um farol para o desenvolvimento da filantropia comunitária.
Da mesma forma, a atuação das organizações de base comunitária é de fundamental importância no apoio à diversidade que permeia todos os territórios. Mariana Assis, do Instituto Comunitário Grande Florianópolis – ICOM, mergulhou nas investigações sobre o fortalecimento dessas organizações na Grande Florianópolis, através de Consultorias para Impacto Social. Seu estudo destaca de forma incontestável a relevância de empoderar essas organizações, capacitando-as para desempenharem um papel ainda mais eficaz na promoção de mudanças positivas.
Aprendi, ao longo dessa jornada e com o auxílio de Mariana Assis, que nós, enquanto organizações de base comunitária, estamos mais próximos da produção de capital intelectual do que do capital financeiro, embora ela deixa claro que este último é extremamente necessário para maximizar o impacto das ações que queremos promover no território.
No desfecho desta reflexão, considero que essas pesquisas são como peças de um quebra-cabeça. Elas se encaixam e formam uma imagem maior de como a filantropia comunitária pode moldar nosso país e eu estou imensamente feliz em contribuir. Elas nos inspiram a enxergar o potencial intrínseco em cada comunidade, destacam a importância da equidade e da diversidade de abordagens e revelam a força que emerge quando nos unimos em prol de um futuro mais inclusivo e sustentável. Vale destacar que não há exclusividade em relacionar todos os achados dessas pesquisas à minha própria comunidade e projetos. O mesmo exercício pode ser feito a partir da ótica de qualquer outra pesquisa ou bolsista representado nessa primeira temporada do Programa Saberes, graças às escolhas muito bem orquestradas feitas pela equipe da Rede Comuá.
Desejo a todos muita luz e motivação nas próximas edições. Axé!