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A educação popular como espaço de possibilidades: o papel da Casa Fluminense na emancipação do saber

A educação popular como espaço de possibilidades: o papel da Casa Fluminense na emancipação do saber

Foto: Monkey Business Images / Shutterstock

Por Fabiana Silva

Iniciando uma conversa, ou melhor, continuando uma velha conversa que começa quando escolhi o curso de Pedagogia. Isto aconteceu em 2006  e durante a graduação o que mais me encantava era a educação popular, que eu chamo de educação humana.

Formação de sujeitos éticos e cientes das múltiplas possibilidades do fazer educação e como ela, praticada de forma humanizada, possibilita que direitos sejam alcançados. Não sou crítica à educação formal como “uma prática que precisa acabar”. A defendo com unhas e dentes, mas sei que ela sozinha não consegue dar conta de tantas questões que atravessam os sujeitos que passam por processos de múltiplas violações, inclusive no campo do não acesso aos direitos básicos.

Logo ter espaços de formação como o Curso de Políticas Públicas como o promovido pela Casa Fluminense e espaços de educação humana como os pré-vestibulares do Juventude na Universidade é pensar na possibilidade do fazer educação que projete sonhos e tecem redes de saberes que não estão em uma sala de aula formal, mas que faz sentido para pessoas que estão em busca de sonhos reais e possíveis a partir da busca por melhores condições de vida para si e para os seus.

Pois é, numa sociedade que cultua a educação mercantilista e meritocrata ter lugares de construção de outras possibilidades é revolucionário, é necessário. Isso é o que chamamos de Pedagogia em Ação. Trata-se justamente da viabilidade de termos espaços de educação que façam sentido para quem busca traduzir por meio de ações efetivas a construção de outras possibilidades. Possibilidades estas que instrumentalizem lideranças com conteúdos históricos e sociais sobre políticas públicas e contribuam  para o desenvolvimentos das capacidades de formulação, monitoramento e incidência em políticas públicas e que fortaleça pré-vestibulares comunitários atuantes nas periferias.

Estamos aqui fazendo uma defesa direta da construção efetiva de um projeto de emancipação coletiva que respeite as diferenças uns dos outros e que valorize a vida de pessoas anteriormente marginalizadas. Cada fio que vamos tecendo no fazer ação que possibilite a construção de espaços de educação humana que forme sujeitos atuantes na defesa, construção e monitoramento das políticas públicas irá revelar a multiplicidades das ações coletivas que possibilitam redes tecidas no comprometimento da defesa dos direitos.

Com esses fios que nos propomos enquanto organização da sociedade civil, o desejo é bordar juntos outras possibilidades por meio da educação popular como espaço de possibilidades. Nesse emaranhado de fios vamos tecendo um novo bordado coletivo com troca de saberes entre pessoas engajadas em organizações da sociedade civil, movimentos sociais, culturais, comunitários e de comunicação popular, atuantes nas periferias da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Como disse anteriormente aqui queremos focar na educação humana que vem dos espaços de educação não escolares formais. Queremos centralmente falar da importância de espaços de formação como o Curso de Políticas Públicas (CPP) que já formou cerca de 300 lideranças da Região Metropolitana do Rio de Janeiro ao longo de sete edições e dos pré-vestibulares que fazem parte do Juventude na Universidade (JUV), que inseriu por meio das cotas raciais mais de 150 estudantes nas universidade públicas ao longo desses três anos de existência.

Nossa proposta central é falar como é importante termos espaços de formação humana como os citados aqui nas linhas deste texto. Falar da importância dos atores sociais que lutam por transformações em um espaço de trocas, criação, de relações amorosas e solidárias. Espaços de afetos e também tensionamento que promovem ações efetivas de mudanças. São esses sujeitos que nos movem na direção de construir junto com eles lugares de possibilidades.

Enquanto pedagoga e pesquisadora sobre educação humana e seus atravessamentos o que me move estando no lugar de Coordenadora de Mobilização da Casa Fluminense é a certeza que aqui não somente falamos do lugar dos excluídos.

“Daqueles que na condição de não cidadãos estavam destituídos do direito à educação” (CARNEIRO, 2023).

Atuamos para enfrentar as violações de direitos narradas pelos estudantes do CPP e também os estudantes, professores e coordenadores do Juventude na Universidade.

Sou fruto de espaços de educação humana que hoje acompanho pela Casa Fluminense. Fui aluna de pré-vestibular social e também sou ex-aluna do Curso de Políticas Públicas da Casa Fluminense – segunda edição. Logo, falo desse lugar. Não do paradigma do outro e sim do eu fruto desses espaços de possibilidades. Logo a defesa emocionada na manutenção de espaços de educação humana como o JUV e CPP é por saber o quão importante é termos garantido a manutenção destes espaços de formação humana.

No fim dos encontros do Curso de Políticas Públicas, que têm a duração de três meses realizamos uma avaliação para ver se o que ofertamos atendeu as expectativas dos que passaram pela formação e também repensar nossa prática para criar um espaço formativo que realmente agregue valores e promova uma educação que oportunize o acesso a conhecimentos e troca de experiências entre os participantes, fortalecendo lideranças sociais para a defesa de causas nos seus territórios e a incidência no debate eleitoral.

Perguntamos “quais aspectos do curso foram mais úteis ou valiosos?” e também perguntamos se “a partir das trocas observadas entre os alunos durante e pós encontros o que mais te chamou atenção nesse processo de olhar o seu projeto a partir do olhar do outro?”

Entre as avaliações recebidas escolhi duas narrativas para compartilhar.

“Perceber que ainda estamos fechados dentro das nossas verdades e lutas sem noção do que se passa em outras realidades e se dar ao trabalho de escutar para entender e não somente para responder. Entender que não só a minha militância que importa, não só o que faço é importante.”

“Todas as aulas ministradas foram de grande valia, conteúdos riquíssimos que farão diferença no meu modo de pensar políticas públicas a partir dessa oportunidade de aprendizagem. Mas o mais útil, foi a possibilidade de troca, intercâmbio com outros territórios que vivenciam situações similares e poder de fato formar uma rede e construir impacto em nossos locais de atuação.“

Como disse anteriormente, os espaços de formação humana também são espaços de tensão e a forma como conduzimos os encontros é o que cria uma participação efetiva e participativa. Não buscamos formar lideranças que pensem igual e sim construir um processo de participação aprofundada na formulação, debate e monitoramento de políticas públicas no Rio de Janeiro em um contexto  complexo de fragilidade democrática, violência política institucionalizada, perseguição aos ativistas, desinformação e aprofundamento das desigualdades.

Ao mesmo tempo sabemos que o conhecimento não se constrói linearmente e que talvez nem mesmo se construía. Muitos autores ainda hoje buscam entender como se dá o processo de criação do conhecimento em todos os espaços de ser/fazer humano. Logo não buscamos e nem temos a pretensão de responder como lidar com tantos atravessamentos. O que buscamos é a tecer possibilidades de conhecimento que respeite as diferenças culturais e que possibilite oportunidades ao compreender por meio das trocas de experiências com os convidados que versam entre quem está na ponta fazendo ações e promovendo na base mudanças e quem estar em diferentes espaços de decisão do poder propondo lei e ações que vão impactar na ponta.

Estamos construindo caminhos a fim de criarmos alternativas para o conhecimento anteriormente visto como raso. Entendemos que os vários processos que se dão na prática social, entre as quais se incluem as práticas pedagógicas do Curso de Políticas Públicas da Casa Fluminense e as metodologias dos 10 pré-vestibulares apoiados pela Casa, são múltiplos. Assumimos a necessidade de respeitamos a dinâmica dos processos ocorridos nos dois espaços de educação humana e buscamos juntos com as lideranças formadas pelo CPP, estudantes, professores voluntários e coordenadores do Juventude na Universidade trilha o caminho no qual se percebe ser necessário que outros sujeitos interessados façam parte desse projeto de mudança que a Casa Fluminense abraçou fortemente, mas é coletivo.

O que observamos nos acompanhamentos juntos aos espaços de formação humana que dialogamos enquanto parte que promove ações (CPP) e parte que participar das ações promovidas pelas organizações (JUV) é que tanto um quanto o outro se desenvolvem a partir do rompimento das fronteiras disciplinares e da criação de redes de relações que vai ressignificando suas práticas.

Pedagogia em ação é justamente o movimento que identificamos nas práticas pedagógicas presentes no Curso de Políticas Públicas e também junto aos pré-vestibulares Juventude na Universidade.

Olhando para o CPP e como se dá seu planejamento inicial, encontros ao longo de três meses, escolha dos convidados externos que versam desde professores das melhores universidades, políticos progressistas, ex-alunos de edições anteriores, lanche, apoio passagens, aulas externas em espaços como ALERJ, Centro de Inteligência da prefeitura e circuitos de saneamento e os processos de avaliação que visa aprimorar nossa prática pedagógica o que vemos é a prática ativa da Pedagogia em Ação.

Ao mesmo tempo que o acompanhamento junto aos dez pré-vestibulares com idas nos espaços, promovendo encontros entre a equipe pedagógicas das organizações, construindo processos para melhor atender os estudantes dos pré-vestibulares, promovendo intercâmbio de saberes entre eles e oportunizando discussões sobre o impacto de mudanças como a reforma do Ensino Médio e como essas mudanças atingem não somente os estudantes, mas também o corpo docente das organizações, que começam a se questionar como criar atividades que não somente garanta o acesso dos estudantes a universidade, mas que consiga lidar com a ausência das disciplinas obrigatórias que foram tiradas da grade curricular dos estudantes oriundos das escolas públicas locais.

Pedagogia em ação é identificar o problema e atuar para minimizar os impactos promovidos pelos sucessivos ataques contra a educação e criar outras possibilidades do fazer pedagógico que respeite os estudantes, equipe pedagógica e o território das ações promotoras do saber.

A Casa tem um lado nessa disputa. Nosso lado é junto às lideranças do Curso de Políticas Públicas, estudantes e equipe pedagógica dos pré-vestibulares Juventude na Universidade. O nosso lado é atravessado de sentidos, pois sabemos o impacto gerado quanto trabalhamos na perspectiva ética, cultural, social, institucional, econômica e de defesa de direitos a fim de promovermos mudanças reais e concretas na defesa da educação humana.


Fabbi Silva, Mulher preta favelada. Licenciatura plena em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Cursando Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – ProPED (UERJ), Idealizadora e Coordenadora Pedagógica da Associação Apadrinhe um Sorriso.  Coordenadora de Mobilização da Associação Casa Fluminense. Presidente do Conselho de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro

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