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Comuá lança mapeamento de organizações doadoras independentes

A Rede Comuá, em parceria com a ponteAponte, lançou, no dia 5 de setembro, a publicação “Filantropia que transforma: mapeamento de organizações independentes doadoras para sociedade civil nas áreas de justiça socioambiental e desenvolvimento comunitário no Brasil”.

O evento, online, contou com a participação de 165 pessoas, e teve como convidados Cássio Aoqui, da ponteAponte; Cristina Orpheo, do Fundo Casa Socioambiental; Gelson Henrique, da Iniciativa PIPA; e Ese Emerhi, do Global Fund for Community Foundations. A mediação foi realizada por Graciela Hopstein, diretora executiva da Rede Comuá.

Em sua fala inicial, Graciela destacou a pesquisa como importante para o campo no sentido de dar visibilidade a uma forma diferenciada de fazer filantropia:

“Uma filantropia independente e com foco em apoiar iniciativas da sociedade civil nas áreas de justiça socioambiental, direitos humanos e desenvolvimento comunitário. A pesquisa, em linhas gerais, indica que estamos em um campo em crescimento no Brasil e no Sul Global. Traz informações reveladoras sobre a atuação dos fundos, tanto no campo do apoio (como doações, áreas temáticas, públicos envolvidos), como também sobre a natureza desses fundos – como foram criados, parcerias, financiadores, orçamentos e estruturas de governança. O estudo mostra a diversidade do campo da filantropia independente e também sua complexidade: trata-se de um campo heterogêneo, com elementos de atuação em comum, mas baseado na multiplicidade de organizações envolvendo e fundos temáticos, fundos comunitários e/ou territoriais e fundações comunitárias . Essa é a primeira edição da pesquisa, e esperamos atualizá-la ao longo dos próximos anos.”

Cássio Aoqui, da ponteAponte, iniciou sua fala reiterando os pontos levantados por Graciela, e pontuou, citando o texto de introdução do mapeamento, que se trata de um documento de incidência, sendo mesmo importante que ele venha para provocar reflexões sobre e para o campo da filantropia.

“Para participar desse mapeamento, um ponto importante é que as organizações mobilizem recursos de forma diversificada, não dependam apenas de um doador. Mobilizem fontes diversas e façam doações e apoios estruturados a associações, coletivos, grupos, movimentos e lideranças sociais como um todo. Uma filantropia que tem independência e esse olhar de transferência de poder. Trata-se de um estudo exploratório, talvez o primeiro do gênero, e tem essa questão de abrir caminhos. Os instrumentos de pesquisa foram cocriados, houve muita aprendizagem coletiva no processo também”

Dentre os dados apresentados pela publicação, Cássio destaca a prioridade dada por essas organizações ao fortalecimento institucional, porque esse tipo de apoio fortalece as instituições da sociedade civil que atuam nos campos da justiça socioambiental e dos direitos humanos no Brasil. E também o fato de que há organizações que doam recursos financeiros e também executam projetos nos próprios territórios.

“Estamos falando de organizações que nasceram nos territórios, com lugar de fala, legitimidade, e muitas delas, em algum momento, passam a fazer também doações. Assim, acaba havendo sinergia entre atuação territorial e atuação como organização doadora. É uma nuance importante em relação à filantropia convencional”.

Diversidade, inovação e ancestralidade

Cristina Orpheo, do Fundo Casa Socioambiental, afirma que a publicação mostra o avanço da filantropia comunitária no Brasil, reconhecendo o protagonismo dos atores locais nos processos de transformação nos territórios.

“Temos fundos quilombolas, indígenas, extrativistas, mulheres quebradeiras de coco, uma diversidade também nos arranjos. Acho que nos últimos quatro anos ficou muito mais evidente a importância de os recursos chegarem na base para a defesa da democracia mesmo. Chamo a atenção para valores doados. Quando a gente fala desses recursos, estamos falando de recursos chegando diretamente para essas comunidades, que vão definir o que fazer com eles em acordo com as prioridades delas. É de uma relevância gigantesca. Temos uma discussão no investimento social privado (ISP), sobre como combater estruturas de desigualdades. Uma dessas possibilidades passa pelo fortalecimento e reconhecimento desses mecanismos de fazer o recurso chegar na base. E que seja reconhecido o protagonismo das comunidades locais como principais atores políticos no enfrentamento das desigualdades.”

Gelson Henrique, da Iniciativa PIPA – organização que lançou este ano a pesquisa “Periferias e Filantropia – As barreiras de acesso aos recursos no Brasil” – aponta para a importância da pesquisa como reveladora de uma outra filantropia que acontece, e que olha para lugares e territórios onde o acesso a recurso é escasso ou inexiste.

“Uma filantropia que transforma a partir de fundações e fundos independentes que  conseguem perceber as nossas causas, de movimentos de periferias. Essa pesquisa mostra que existe uma experiência que está dada no país, que precisa ser sistematizada e incidir no que temos de filantropia tradicional. Que tem muito a aprender com a filantropia comunitária. Na pesquisa, a gente percebe que uma das principais formas de apoio é voltada ao fortalecimento institucional. E na PIPA a gente entende que esse é um campo que precisa de doação. E na filantropia que temos hoje isso não tem sido prioridade. Atuar para o fortalecimento institucional no Brasil é inovador.”

Gelson defende ainda a importância de se falar em decolonialidade na filantropia, porque a filantropia tradicional (main stream) “é colonial no seu conceito e em suas práticas. A decisão de para onde vai o recurso é política. Essa pesquisa mostra e acende um sinal de que existem outras formas de fazer que não as que estão historicamente colocadas hoje. E que precisam ser fortalecidas enquanto agenda no campo. Esse cenário da pesquisa mostra uma grande revolução do que temos como filantropia hoje, de quem acessa recursos. Uma coesão do que podemos oferecer para esse campo e provocar, porque ele está em disputa. Financiar essas organizações é fortalecer os territórios e possibilitar nossa existência.”

O evento contou ainda com a participação de Ese Emerhi, do Global Fund for Community Foundations, que destacou o movimento global #ShiftThePower e como o mapeamento apresenta sinergias com ele,

“mostrando dados claros de como as pessoas estão financiando justiça social e a solução de seus próprios problemas. Pode parecer algo novo, mas é uma maneira ancestral que temos acionado para solucionar nossos problemas por centenas de anos. A palavra nova pode ser filantropia, mas dar e apoiar uns aos outros foi algo que sempre existiu. Na África, por exemplo, financiamentos independentes estão promovendo trabalho similar. E o GfCf busca também maneiras alternativas de financiamento. Esse estudo é muito poderoso, e vou fazer o possível para que todas as pessoas da minha rede tenham acesso a isso.”

Publicação com esse recorte é pioneira no campo da filantropia

O mapeamento traz uma contribuição fundamental para aprofundar o conhecimento e dar visibilidade a um conjunto de organizações doadoras (grantmakers) que começaram a surgir há 20 anos no país, apoiando com recursos financeiros iniciativas de grupos de base comunitária e movimentos sociais que atuam na luta pelo acesso e reconhecimento de direitos nas áreas de justiça socioambiental, direitos humanos e desenvolvimento comunitário. 

Foi concebido não apenas como um estudo voltado a trazer novos conhecimentos sobre uma forma diferenciada de fazer filantropia – talvez pouco conhecida, porém inovadora -, mas como um instrumento de incidência, capaz de levantar novas reflexões, questionando as relações de poder – inclusive desde a perspectiva do movimento ShiftThePower – e as práticas coloniais do fazer filantrópico. 

As organizações mapeadas estão sediadas nas cinco regiões do Brasil. Em dez estados e 11 municípios. O sudeste concentra 58%, seguido pela região Norte, com 23%; Nordeste, com 13%; e Centro-Oeste e Sul, com 3% cada. O fato de estarem localizadas nessas regiões não restringe sua atuação a esses territórios. De fato, há organizações que atuam territorialmente, mas também aquelas cuja abrangência da atuação cobre diversas regiões do país. 

O fortalecimento institucional é prioridade para as organizações doadoras independentes – 74% declaram doar para esse propósito. Negligenciado na lógica convencional de financiamento de projetos, nesse caso o fortalecimento institucional é compreendido como fundamental para a sustentabilidade das ações e pelo entendimento que esse investimento é fundamental para o fortalecimento de organizações que atuam na defesa de direitos. Esse apoio é flexível, dando autonomia às organizações de grupos na tomada de decisão sobre a sua atuação. 

Na sequência, priorizam-se nas doações ações de gênero e direitos das mulheres e cultura (48%), desenvolvimento comunitário (42%), agricultura familiar, agricultura urbana, agroecologia e agrofloresta (39%) e comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e tradicionais (35%). Para a maioria das organizações doadoras, as áreas de apoio são interseccionais. 

Assim, resta evidente o caráter pioneiro e inovador das organizações mapeadas no direcionamento de recursos para iniciativas muitas vezes negligenciadas por grande parte do ecossistema filantrópico brasileiro. Esse mapeamento traz dados que nos permitem afirmar que a atuação das organizações independentes doadoras é essencial para fazer o recurso chegar a coletivos e movimentos não formalizados, democratizando o acesso a recursos. 

A publicação já está disponível para download na biblioteca da Rede Comuá, e em breve será publicada uma versão em inglês. Se você perdeu o lançamento, assista no canal da Rede Comuá.

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