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Um ano de pandemia e o impacto sobre a vida das mulheres

Por Claudia Cruz e Fabbi Silva

O 11 de março de 2020 ficou conhecido como marco global da pandemia, quando muitos estados passaram a adotar a Portaria 356 do Ministério da Saúde que regulamentou as medidas de enfrentamento da emergência sanitária por conta do coronavírus. No estado do Rio de Janeiro, o então governador, Wilson Witzel publicou decreto, em 16 de março, que instituiu a quarentena/isolamento social com medidas mais restritivas de circulação. Poucos dias depois, em 19 de março, o estado registrou a primeira morte pela COVID-19, uma mulher negra e empregada doméstica de 63 anos. E é por isso que, nesta quinta, quando completamos o primeiro ano do marco global, em pleno março de lutas e por Marielle Franco, refletimos sobre os impactos que a pandemia provocou sobre a vida das mulheres no Rio de Janeiro. Somos a maioria na Região Metropolitana, onde totalizamos 52,86% das habitantes, e fomos as primeiras a morrer de COVID-19.

Além desta que é a consequência mais letal da atual pandemia que abalou o mundo, as mulheres seguem historicamente responsáveis pelo cuidado em diferentes níveis nesta crise, seja na linha de frente dos cuidados familiares, dos lares de outros, nas equipes de saúde no enfrentamento à COVID-19 ou liderando o sistema de apoio humanitário que possibilitou a chegada de comida e informação nas camadas mais vulnerabilizadas em nossos bairros e favelas da periferia metropolitana. Neste sentido, um ano depois vemos os efeitos colaterais desta sobrecarga de trabalho e cuidado com a redução da participação destas mulheres no mercado de trabalho, que impacta diretamente o sustento de suas famílias, e os danos na saúde física e mental dessas que foram essenciais na relação de cuidado.

Neste marco global do 1º ano da pandemia, as mulheres negras e da periferia foram imensamente impactadas pelos efeitos colaterais da COVID-19. Foto: Filipe Cordon

Nas redes comunitárias de enfrentamento à fome, arrecadação de kits de limpeza, EPIs e acolhimento de outras mulheres e famílias, são as mulheres negras que estão na liderança das estratégias de sobrevivência e inovação em meio ao caos, mas que também estão demandando o retorno imediato do auxílio emergencial e fortalecimento de políticas públicas estruturais como o Sistema Único de Saúde – SUS, o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, a universalização da educação e o fomento à produção agroecológica e segurança alimentar. E é neste momento que acendemos o alerta mais importante que esse texto busca trazer, porque se estas mulheres negras e periféricas estão encabeçando as iniciativas comunitárias de enfrentamento à COVID-19 e as estatísticas mais preocupantes sobre mercado de trabalho e desemprego, essa conta nunca vai fechar e a resultante continuará multiplicando desigualdades.

Soma-se a essa realidade preocupante, outros dois fatores que influenciam diretamente a vida dessas mulheres, suas famílias e comunidades, que são o plano de imunização e a renda básica emergencial. Sobre o Programa Nacional de Imunização, a execução está afetada pela falta de planejamento e um esforço de desinformação nociva sobre o vírus, as vacinas e até o uso das máscaras. Das seis vacinas aprovadas em estudos para inoculação no mundo, o Brasil solicitou a aprovação de apenas duas à ANVISA. A consequência direta é um programa de imunização atrasado, seja por relações diplomáticas, políticas ou de simples má gestão, que imunizou apenas 4,26% da população até o dia 10 de março. Quanto mais as vacinas demoram a chegar para estados e municípios, maior é o risco para essa população sobre as variantes do vírus, aumento dos casos, sobrecarga do SUS, lotação dos leitos e aprofundamento da crise econômica.

Uma iniciativa intitulada “vacinômetro” monitora o avanço do Programa de Vacinação no país, mas o estado do Rio não tem atualizado os dados nessa plataforma, apresentando somente dados da capital, sem expor o quadro da imunização na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O governador em exercício, Cláudio Castro, vetou projeto de lei que autorizava o estado a comprar quaisquer vacinas contra a COVID-19 autorizadas pela ANVISA, independente de autorização do Programa Nacional de Imunização, alegando que essa proposta aumentaria as despesas do estado. Além disso, o RJ também não assinou o Pacto Nacional Em Defesa da Vida e da Saúde proposto pelo Fórum Nacional de Governadores, mesmo se aproximando das 34 mil mortes pela COVID-19. Na Baixada Fluminense, no município de Duque de Caxias, o anúncio recente do prefeito sobre a vacinação de idosos a partir de 60 anos, provocou uma busca desordenada pelo medicamento, já que o número de doses disponíveis era bem inferior à população de idosos com mais de 60 anos.

Enquanto isso, cresce a fome e o desalento da população mais vulnerabilizada nas periferias da metrópole. Segundo análise da Assessoria Fiscal da Assembleia Legislativa, a partir de dados do CAGED, entre os anos de 2014 e 2020, o Rio de Janeiro foi o estado que mais perdeu postos de emprego nos últimos seis anos, com 16% da população fluminense desempregada. Em resposta, nesta semana, a Alerj aprovou a PEC que autoriza recursos via fundos de Combate à Pobreza e de Conservação Ambiental para custear o auxílio emergencial estadual pelo Programa Supera Rio (Lei 9.191/21) com valor de 200 a 300 reais. No Congresso Nacional, as campanhas Renda Básica e Auxílio Emergencial de 600 reais até o fim da pandemia continuam cobrando condições mínimas de subsistência para as famílias brasileiras, em paralelo ao aumento na cesta básica, no gás e nas passagens nos transportes.

Com este cenário geral, precisamos cobrar por um Programa de Imunização mais eficiente com maior volume de compras de vacinas, ampliação da testagem e tratamento para todas e todos, e um plano de enfrentamento à COVID-19 nas favelas e periferias com foco em conter o contágio e ampliar o acesso às políticas de saúde e assistência social. De acordo com o Painel Unificador do COVID-19 do Rio de Janeiro, as favelas cariocas têm mais mortes pela COVID-19 do que 162 países. No aspecto econômico, é preciso garantir urgentemente o auxílio emergencial de 600 reais até o fim da pandemia para as famílias de baixa renda e a cota dupla para as mães-solo. Na capital fluminense, em fevereiro deste ano, as famílias que recebem um salário mínimo já comprometeram 60% da sua renda com cesta básica, arcando com a terceira cesta mais cara no país, segundo pesquisa do DIEESE. Por isso, é #VacinaParaTodos e #600atéofimdapandemia já.

Claudia Cruz é pesquisadora em Políticas Públicas e especialista em planejamento de Políticas Sociais e coordenadora de informação da Casa Fluminense.

Fabbi Silva é pedagoga, idealizadora da ONG Apadrinhe Um Sorriso e coordenadora de mobilização da Casa Fluminense.

Originalmente publicado em: https://casafluminense.org.br/1-ano-de-pandemia-e-o-impacto-sobre-a-vida-das-mulheres/

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